sábado, 24 de agosto de 2019

A solução não é domesticar Bolsonaro


Luis Felipe Miguel

Três observações ligeiras sobre Bolsonaro, a oposição e a Amazônia.

(1) Aquele Bolsonaro enquadrado e choroso que foi à televisão ler (mal e porcamente) um envergonhado pedido de desculpas é uma personagem que não se sustenta. Sua base política, os 30% de brasileiros imbecilizados que gritam "mito", vive à base de demonstrações de brutalidade e ignorância.

Sem essa base, Bolsonaro se torna descartável - a direita não hesitaria em trocá-lo por alguém menos tosco, como, por exemplo, Mourão. Mas, com ela, está preso à personagem anterior (e mais autêntica, acredito), o brutamontes descerebrado que distribui coices por onde passa. Não há saída fácil para o ex-capitão.

(2) As queimadas na Amazônia atingiram muita gente que até agora permanecia simpática ou indiferente a Bolsonaro. Isso é importante. Mas é importante também indicar como o descaso e a estupidez do governo não se limitam à questão ambiental; pelo contrário, sua recusa ao diálogo, desprezo pelas opiniões informadas e imposição de soluções simplistas, erradas e perversas são características gerais do bolsonarismo.

Mais importante ainda é indicar que a agressão à natureza responde à mesma lógica das agressões à classe trabalhadora, aos pobres, aos povos indígenas etc. E tentar mostrar que a solução não é domesticar Bolsonaro - ou trocá-lo por alguém menos tosco, como, por exemplo, Mourão - mas derrotar seu projeto.

(3) Não quero dizer, como alguns estão dizendo, que é hipocrisia se mobilizar pela Amazônia mas permanecer indiferente à sina dos jovens negros mortos pela polícia, à legião de miseráveis, aos trabalhadores precarizados, à população LGBT sistematicamente agredida etc. Que bom que essas pessoas ainda são capazes de se sensibilizar com alguma coisa - vamos partir daí e, quem sabe, ampliar seus horizontes.

A denúncia da hipocrisia parece indicar que a questão ambiental não é central em si mesma, não é prioritária. Mas é. Estamos caminhando para um desastre ambiental de enormes proporções e é preciso agir - o que significa que é preciso enfrentar o capitalismo - desde já.

E, se a Amazônia acabou se tornando o gancho para galvanizar a oposição a Bolsonaro, cabe à esquerda brasileira pensar sua postura em relação ao meio-ambiente. O registro dos governos do PT na área é ruim - nada que se compare ao governo criminoso que aí está, mas muito aquém do necessário. A bandeira da defesa da Amazônia deve ser pensada a sério, não como oportunismo.

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