quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Único jeito de não ficar triste é ficar puto


Gregorio Duvivier
Quanto da sua tristeza você conseguiu converter em ódio?
Peço licença pra cometer um pouco de autoajuda. Tenho conhecido muita gente desolada. Esse governo é um gatilho poderoso pra depressão. As queimadas, o apocalipse iminente, a recessão inevitável, o desemprego crescente, a vergonha mundial. O presidente parece eleito pela indústria farmacêutica pra vender antidepressivo.

Se eu estivesse estudando que nem um louco pra passar no concurso do Itamaraty e visse o presidente nomeando o próprio filho embaixador, talvez eu desse um tiro no coco. Se eu fosse indígena, quilombola, sem-terra ou sem-teto, talvez abreviasse a minha vida antes que o governo fizesse isso por mim. Se eu tivesse votado nesse governo contra a corrupção estaria comprando um chicotinho da Opus Dei e passaria os dias me mutilando em praça pública: “Mea culpa, mea máxima culpa”.

Tem quem prefira não ficar sabendo. Ou fingir que não tá sabendo. “Basta não ler as notícias.” Não basta. Você não precisa saber que a sua comida tem agrotóxicos pra morrer de câncer. Ao contrário do que dizem os coaches quânticos, não pensar no desemprego não vai te arrumar um emprego.

Mesmo que você não queira se informar sobre queimadas, elas batem à sua porta —até fumaça faz delivery em SP. A cidade da noite clara conheceu a tarde escura, numa metáfora óbvia demais do que virou o país. O meio ambiente podia trabalhar com uma imagem mais sutil —mas talvez adivinhe que esse governo não entende sutileza.

Só conheço uma maneira de não ficar triste: é ficar puto. O único momento em que eu não tô deprimido com esse governo é quando eu to com ódio desse governo. Não existe saída, infelizmente, pela alegria nem pelo afeto: ninguém nunca tirou um presidente com ciranda.

A ditadura no Brasil terminou com aquela impressão de “todo o mundo errou, bola pra frente”. Bola pra frente é o caralho. Figueiredo tinha que ter sido largado no mato pelado em seu cavalo —como o prefeito de “Bacurau”. Preferimos a conciliação. Os torturadores gozaram de liberdade e aposentadoria farta, e suas filhas solteiras também. “Todo o mundo errou.” Quem nunca torturou uma mulher grávida? Quem nunca torturou uma mãe na frente dos filhos? Bola pra frente.

Mas não é hora de lamentar. É hora de se perguntar. Hoje: Quanto da sua tristeza você conseguiu converter em ódio? Quanto do seu ódio você conseguiu converter em ação? O que você fez pra atrasar, nem que seja um pouquinho, o apocalipse?

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