Luis Felipe Miguel
Eu tenho pra mim que é de propósito. O juiz que condenou Haddad num processo para lá de fajuto, sem ligar para provas ou mesmo para as acusações, fez de sua sentença um cartapácio de mais de 500 páginas, a esmagadora maioria das quais sem nenhuma relação com o caso.
Informa Mônica Bergamo: antes de começar a tratar do caso, "ele fala sobre linguística - 'veículo sígnico (o suporte físico), designatum ou significatum (a significação) e denotatum (o significado)' -, de lógica 'alética e deôntica' e inclui citações de 50 páginas contínuas de trechos de livros".
Citações totalizando 50 páginas contínuas superam, com enorme folga, os requisitos do "encher linguiça".
Para mim, é deboche. É a vontade de anunciar ao mundo que o julgamento é uma farsa e que o Judiciário faz o quer, em favor dos seus aliados e contra seus desafetos, sem se preocupar sequer com as aparências, porque a fachada do império da lei no Brasil já ruiu há muito tempo.
A sentença do espetáculo
O art. 381, do CPP, prescreve que:
"A sentença conterá:
I - os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las;
II - a exposição sucinta da acusação e da defesa;
III - a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;
IV - a indicação dos artigos de lei aplicados;
V - o dispositivo;
VI - a data e a assinatura do juiz."
A sentença do espetáculo, entretanto, deve contar centenas de páginas inúteis com citações doutrinárias duvidosas e, se possível, uma defesa do próprio juiz em face das acusações que ele presumivelmente recebeu em razão de condenar um réu por razões políticas ou ideológicas. Sérgio Moro abriu o caminho. Agora todo juiz que mandar encarcerar um petista famoso vai escrever um livro de direito penal seletivo, de direito penal do inimigo e de estatística criminológica aplicada. Quando a Lei e os fatos se tornam irrelevantes, as condenações devem conter racionalizações. Quanto mais, melhor. Mas não vi nenhum juiz regredir ao infinito para condenar Deus em virtude dele ter criado os homens que criaram o partido que tira o sono dos juízes de extrema direita e que atormenta os advogados.
"O defensor não rebateu todos os argumentos da sentença. Condenação mantida por seus próprios fundamentos." Nesse caso o Acórdão pode ser curto e grosso. Quanto menos racionalizações, melhor. Na segunda instância opera efeitos o princípio oposto. Um Acórdão do espetáculo não dá qualquer chance para o condenado. O advogado dele pode até ser impedido de usar a tribuna, como ocorreu no caso do recurso de Lula julgado pelo STJ.
SENTENÇA SEM PÉ NEM CABEÇA
Alertado por notas de Mônica Bérgamo, procurei a íntegra da sentença do juiz Francisco Carlos Inouye Shintate, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, que acaba de condenar Fernando Haddad por um crime que ele não apenas não cometeu como do qual não foi acusado.
Trata-se de uma maluquice provavelmente inédita no Judiciário brasileiro. São quase 500 páginas mas, exceto pelo despacho de abertura de 11 folhas, a sentença propriamente dita tem 361 páginas de elucubrações teóricas e reproduções de livros e teses sobre assuntos variados, como filosofia e linguística, trechos de muitas páginas em língua estrangeira e reproduções de livros teóricos sobre direito.
Tudo isso antes de fazer a primeira referência direta ao caso específico que está sendo julgado. Até a página 361 os nomes dos réus e as acusações contra eles não são citadas uma única vez. A maior encheção de linguiça já vista – e talvez não apenas no direito.
Já conhecemos uma juíza que, para condenar Lula por um sítio que não é dele, fez CTRL-C/CTRL-V na sentença em que seu antecessor, Sergio Moro, condenou Lula por um apartamento que também não é dele. Agora, somos apresentados a um juiz que, para condenar Haddad por um crime do qual o ministério público não o acusou, faz copia e cola em livros e teses de terceiros.
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