Camilo Vannuchi
No domingo fez 25 anos que um papo de comadre entre o então ministro da Fazenda Rubens Ricúpero e um jornalista da Globo, Carlos Monforte, foi transmitido por antena parabólica e exibido em milhares de lares sem que os dois soubessem. Quem lembra?
Lembrei dela numa palestra que fiz ontem, sobre manipulação da mídia no contexto político.
A entrevista ainda não havia começado, mas a conversa dos dois entrou no ar pelo sinal da Globo via Embratel. Ricúpero criticou o IPCA, índice de preços do IBGE que poderia colocar por terra a promessa de fim da inflação propalada por seu antecessor na pasta, o então candidato à Presidência Fernando Henrique Cardoso, e chamou o IBGE de "antro de petistas". Em seguida, admitiu que usava o cargo para fazer campanha para FHC, contou que comandaria uma onda de importações a preço facilitado (via isenções) para forçar a queda nos preços em produtos de consumo (o que conteria a inflação até a eleição), e soltou uma frase famosa, ainda ao comentar os indicadores econômicos: "Eu não tenho escrúpulos: o que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde".
O episódio derrubou o ministro, substituído em seguida pelo então governador do Ceará, Ciro Gomes. Foi um escândalo sobre uso político do cargo, ética na política etc.
O que pouco se falou na época: por que Carlos Monforte ouviu tudo aquilo e, em seguida, nada disso entrou na entrevista? Por que nenhuma pergunta sobre manipulação ou ocultação de índices econômicos? Por que não abordar a novidade jornalística da importação de produtos para derrubar os preços no Brasil? Por que manteve o roteiro de uma entrevista áulica, chapa branca, solidária? Talvez porque o jornalismo da Globo é assim com os governantes que defendem os interesses do capital, ou ao menos dos Marinho? Talvez porque as concessões públicas de rádio e TV sejam de fato essa várzea, a reprodução ininterrupta dos interesses das elites por décadas e séculos a fio?
Os espectadores que haviam escutado o preâmbulo e conferiram a entrevista em seguida não entenderam nada. Ou talvez tenham entendido muita coisa.
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