sábado, 25 de abril de 2020

O jogo dos sete erros na histórica imagem do pronunciamento

Com Bolsonaro estavam um ministro da Saúde sem máscara, um enfraquecido ministro sem sapatos e cinco generais que mostram o atoleiro em que o Exército se meteu
Luiz Fernando Vianna

O pronunciamento de Jair Bolsonaro na sexta (24) teve momentos marcantes, como vem sendo destacado. Ele se defendeu das acusações feitas por Sergio Moro; devolveu acusações ao agora ex-ministro da Justiça; queixou-se de a imprensa "escrotizar" sua sogra; transformou o desligamento do aquecimento da piscina presidencial num ato cívico; e disse que não gasta um crédito de R$ 24 mil mensais a que tem direito – o valor poderia ser deslocado para pagar 40 benefícios de R$ 600 que o governo vem concedendo (lentamente) em função da pandemia do coronavírus.

Para além das palavras, terá lugar na história a imagem de Bolsonaro acompanhado de 23 ministros e aliados – o intérprete de Libras está fora dessa conta. À maneira do velho jogo dos sete erros, é possível comentar aspectos da foto.

1 – O presidente confirmou sua descrença na propagação do coronavírus. Estavam todos juntinhos uns dos outros e sem nenhuma proteção. A única exceção foi o ministro da Economia, Paulo Guedes, que apareceu de máscara e com as meias à mostra. Deve ter deixado os sapatos na porta do palácio, como temos feito em nossas casas. Explicitou, assim, seu descompasso em relação ao presidente e, por isso, pode ser o próximo a cair.

Com a pandemia, sua agenda liberal virou chulé mesmo. Se Bolsonaro foi capaz de perder em duas semanas seus dois ministros mais populares, que preocupação terá com um que "escrotiza" domésticas que viajam? Na foto, Rogério Marinho, hoje no Desenvolvimento Regional, já está atrás de Guedes, a quem poderá suceder.

2 – Por causa do lugar em que se posicionou, o médico Nelson Teich ficou no mesmo quadro de Bolsonaro durante todo o pronunciamento. Ele assumiu o Ministério da Saúde no último dia 16 demonstrando ainda conhecer pouco a sua pasta e as necessidades para o combate à Covid-19. Não podia ter implorado (verbo muito usado pelo presidente em sua fala) para que o deixassem trabalhando para salvar vidas?

Apesar da inexperiência política, precisava ter escolhido um lugar tão facilmente alcançado pelas câmeras? E por que ele, logo ele, não estava de máscara? Ganhou pontos com aquele que se autointitula "chefe supremo", mas perdeu com os milhões de pessoas que estão reclusas em nome não só da própria saúde, mas da saúde da população.

3 – Nos extremos da imagem, há três deslocados, mas por razões diversas. À direita de quem vê a foto, está o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. De fato, ele tem status de ministro, mas não é apropriado que alguém responsável pela estabilidade da moeda, que precisa transmitir confiança e serenidade, seja envolvido numa cena de baba-chefe, ainda mais quando o protagonista diz que pode se meter em qualquer área do governo.

No extremo oposto vê-se o ministro da Educação, Abraham Weintraub, cuja inépcia é mais notória do que seus erros de português. Bajulador obsceno, pareceu ter tentado sair da foto para não ser flagrado em trajes esportivos, tipo "sextou". Perdeu a chance de ser filmado enquanto Bolsonaro o elogiava. Seria a glória – para quem acha que isso é uma glória.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, também ficou distante de Bolsonaro. Não deve ter sido casual. Eleita deputada federal duas vezes, ex-líder da bancada ruralista, não tem nada de inexperiente, ao contrário de Nelson Teich. Frequentemente elogiada pela "imprensa comunista", deve estar na mira do presidente paranoico.

4 – Há outras duas mulheres na foto. Uma é a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que, casualmente ou não, ficou bem atrás de Bolsonaro – e, portanto, invisível, dada a sua baixa estatura. A outra é a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que postou um pedaço da foto no Twitter e apontou: "Escondidinha, mas estou ali, à direita". Onde mais? No conjunto de 23 pessoas, apenas três mulheres e um negro, o deputado Hélio Negão (PSL-RJ). A conta dispensa comentários.

5 – Quase todos os deputados e senadores estão, de modo responsável, em quarentena. Não é um bom momento para tentar exibir apoio parlamentar. O presidente só conseguiu arregimentar três deputados federais, sendo um o próprio filho, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). A sobrevivência do governo depende dos profissionais do Centrão. Estes atuam melhor nas sombras.

6 – Há na foto, em vestes civis, cinco generais (da ativa ou da reserva): quatro ministros e o vice-presidente Hamilton Mourão. É o retrato para a história de como o Exército atolou-se de novo na política, após 35 anos de ilibada atuação institucional. Chancela um ex-militar que planejava explodir bombas para protestar contra baixos soldos. E chancela um presidente que ataca a democracia e a Constituição.

7 – Por fim, há que se lamentar duas ausências: a do ministro das laranjas, Marcelo Álvaro Antônio, e a do ministro da motosserra, Ricardo Salles. O primeiro, suspeito de ter fabricado falsas candidaturas no PSL de Minas Gerais em 2018 e se apropriado de recursos eleitorais, mantém-se confortável num governo que se diz intransigente com a corrupção. Vem nomeando arrivistas para a área da cultura, que está sob o guarda-chuva da sua pasta, a do Turismo. Deixa para Regina Duarte o papel de secretária Porcina – a que foi sem nunca ter sido.

E Salles é a versão moderninha do Brasil escravocrata, praticante de genocídios contra indígenas, assassino de trabalhadores rurais, destruidor das florestas. Com tantos atributos, poderia ter recebido elogios como os oferecidos a seu colega de prestação de serviços sujos, Abraham Weintraub. Ficou a lacuna na foto, mas o seu lugar na história está reservado.

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