quarta-feira, 29 de abril de 2020

Vergonha própria


Luis Felipe Miguel

O que faz de mim um brasileiro?

Nasci no Brasil, é verdade - na cidade do Rio de Janeiro, no Estado da Guanabara. Mas isso é um acidente geográfico.

Não tenho os traços estereotipados do brasileiro "típico". Não gosto de futebol. Não gosto de carnaval. Não gosto de praia.

Não tenho a sociabilidade fácil ou a alegria despreocupada que, dizem os guias de turismo, são as marcas do nosso povo.

Não acredito em Deus. Acho o Cristo Redentor um mostrengo. Torço contra a seleção - porque não consigo torcer a favor de Ronaldinhos e Neymares.

É bem verdade que gosto de pão de queijo e de arroz com feijão, mas acho que isso não me define mais do que o fato de gostar de financier e de confit de canard.

Na verdade, nesse momento, quanto mais eu penso, mais percebo que o que faz de mim um brasileiro é o imenso sentimento de vergonha.

Vergonha de ser cidadão de um país governado por um fascista grosseiro e inepto, que comanda a aplicação de uma política genocida e que nos conduz no caminho de uma catástrofe de grandes proporções.

Vergonha de ser concidadão de milhões de pessoas que são tão estúpidas e tão cruéis que aceitam ser cúmplices disso.

Vergonha de ser de um país que quando viu que havia o risco de se tornar um pouco - um pouquinho só - melhor, fez de tudo para destruir essa possibilidade e mergulhar de volta na violência, na exclusão, no preconceito, no atraso mais abjeto.

Não é a famosa "vergonha alheia". É vergonha própria, vergonha de saber que sou parte disso, porque, afinal, sou brasileiro.

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