Em São Paulo, eles buzinam e põem o carro de som bem debaixo de um hospital. Em Brasília, reúnem-se diante de um quartel para pedir o fechamento do STF e do Congresso.
O interessante é que muitos deles usam máscara para se proteger do vírus. Aparentemente, essa turma não segue por completo a ideia de que a Covid-19 na maioria dos casos teria apenas o efeito de uma “gripezinha”.
Não. Esses fanáticos acham, sem dúvida, que o vírus mata mesmo. São contra a quarentena mesmo assim.
Imagino várias razões para essa atitude.
A primeira é que, protegidos por algum plano de saúde privado, eles querem simplesmente sair de casa e continuar tocando suas empresas.
O isolamento busca evitar o colapso na saúde pública? Que se dane a saúde pública. Meu quarto no Einstein ou no Sírio-Libanês — caso o pior aconteça — está garantido de qualquer jeito.
Querer o fim da quarentena tem pouco a ver com algum tipo de solidariedade com o pessoal realmente pobre.
Sei que o desempregado, o diarista, o catador de lata, todos precisam sobreviver; o contaminado que mora num quartinho com quatro filhos não conhece os prazeres e confortos do meu isolamento movido a Amazon, Spotify e Netflix.
É claro que a ajuda financeira aos mais prejudicados, votada rapidamente pelo Congresso (ah, o Congresso!) e reforçada pelo próprio Bolsonaro, poderia ser estendida. Imagino que ainda haja milhares de problemas específicos, casos particulares e dramas pessoais por resolver.
Quem prega o fim da quarentena pode dizer, como Bolsonaro, que se preocupa com essa gente.
Desconfio que seja o contrário. Preocupa-se, isto sim, com o fato de o Estado ajudar — mesmo que de forma provisória— toda essa ralé.
Os bolsonaristas já não eram contra o Bolsa Família? Já não diziam que “nossos impostos” sustentam a vagabundagem no Nordeste? Já não eram a favor da “meritocracia”?
Querem o fim da quarentena para que a vida “volte ao normal”. Ou seja, com o catador de lata voltando a ganhar o que merece, e com a empregada fazendo faxina.
Claro que eles também lutam pelo futuro das próprias atividades —a loja de bijuterias, a butique pet, a consultoria de moda, a assessoria de eventos, a decoração de interiores para festas de noivado, o recolhimento do dízimo.
O jornalista Eugênio Bucci observou certa vez que o pensamento da direita se resume a um princípio simples. Trata-se, dizia ele, de pôr o direito à propriedade acima de qualquer outro direito.
A sobrevivência do planeta, a terra dos índios, a educação gratuita, o acesso à saúde — tudo para a direita pode ser posto em segundo plano. A liberdade, para a direita, tampouco tem valor.
Registro, de passagem, minha repugnância diante do velho ramerrão de Norberto Bobbio, que num livro de muito sucesso identificou a esquerda com a defesa da igualdade e a direita, com a defesa da liberdade.
Santo equilíbrio! Esqueceu-se da América Latina, da Grécia, da Espanha, de Portugal, da Alemanha e da própria Itália —para falar só nas ditaduras do século 20.
Em nome da “liberdade”, os bolsonaristas defendem o fechamento do Congresso. É o direitismo clássico, sem novidade.
Mas quem buzina em frente ao hospital e chama Doria de comunista já foi muito além.
O mundo fanático — no islã de Osama Bin Laden, no Camboja de Pol Pot, na Alemanha de Hitler e no Brasil de Bolsonaro — ignora qualquer cálculo racional.
A caveira nos quepes da SS e nas insígnias do Bope simboliza o que constitui um verdadeiro culto da morte, do genocídio e (por que não?) do autossacrifício até.
Tirem as máscaras, seus dementes.
Um dos mais fanáticos seguidores do direitismo franquista, o general espanhol Millan Astray, celebrizou-se por um discurso feito em 1936, na Universidade de Salamanca.
“Morra a inteligência”, disse ele, um mutilado de guerra. “Viva a morte!”
“Viva la muerte!” Na foto, Bolsonaro e seus filhos comem espigas de milho; uma metralhadora está pendurada na parede.
Os fanáticos gritam na frente do quartel; querem prisões, sangue, tortura e violência.
Buzinam na frente dos hospitais: querem a contaminação, querem os cadáveres dos pobres empilhados no meio da rua, querem a solução final para a miséria brasileira.
Viva Bolsonaro, viva o vírus, viva la muerte.
Marcelo Coelho
Membro do Conselho Editorial da Folha, autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”. É mestre em sociologia pela USP.
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