quinta-feira, 4 de abril de 2019

O que é possível fazer em 100 dias de governo


Helio Gurovitz

Candidato à Presidência, ele escapou de um atentado na campanha eleitoral para obter uma vitória consagradora nas urnas. Num momento de crise econômica sem paralelo, era considerado analfabeto no assunto, incapaz de passar por qualquer prova de economia elementar. Confiou naqueles que escolheu para o governo e, em 100 dias, mudou a história do país. Seu nome? Franklin Delano Roosevelt, o 32º presidente americano. Tomou posse em 4 de março de 1933 com os Estados Unidos à beira da convulsão. Desde o crash de 1929, a Bolsa desabara 85%. A produção industrial estava virtualmente parada. Montadoras funcionavam a 20% da capacidade, siderúrgicas a 12%. As receitas agrícolas haviam caído dois terços. Corridas bancárias eram corriqueiras, quase 5 mil bancos haviam falido. Entre um quarto e um terço da força de trabalho não tinha emprego. Havia 1.000 despejos por dia. Quem não tinha onde morar dormia em parques, debaixo de pontes, em carros abandonados, até em carcaça de piano — sobretudo nas favelas de madeira e papelão conhecidas como “Hoovervilles”, ironia com o presidente derrotado na eleição. O clima de revolta popular assustava. Mesmo moderados insistiam que Roosevelt invocasse “poderes ditatoriais” diante da calamidade.

Nada disso aconteceu.
“Em 100 dias, Roosevelt aprovou 15 leis relevantes, deu 30 entrevistas coletivas e adotou a nova tecnologia de comunicação, o rádio, para duas ‘conversas ao pé da lareira’, falando direto ao cidadão”
“Nenhuma administração presidencial fez tanto em tão pouco tempo”, diz o jornalista e historiador Adam Cohen em Nothing to fear (Nada a temer). Por meio da história dos cinco principais assessores, cérebros do New Deal, Cohen mostra como e por que os 100 primeiros dias de Roosevelt — repletos de acertos, erros e conflitos — se tornaram exemplo para todo governante.

No domingo, dia seguinte à posse, Roosevelt decide decretar feriado bancário por quatro dias e convocar o Congresso para uma sessão extraordinária. Dá sua primeira coletiva na quarta-feira. Na quinta, encaminha aos parlamentares uma lei emergencial que permite fechar os bancos insolventes e imprimir dinheiro para salvar os demais. No mesmo dia, é aprovada na Câmara e no Senado. Nove horas depois de enviada, é sancionada. No dia seguinte, sexta-feira, Roosevelt envia outra lei, com cortes de US$ 500 milhões em gastos públicos (15% do Orçamento), em especial benefícios a veteranos de guerra (25% das despesas) e 15% dos salários federais. No domingo, fala à nação na primeira “conversa ao pé da lareira”. Na segunda-feira, os bancos reabrem sem corrida nem necessidade de imprimir dinheiro. Na terça, o Senado aprova os cortes. A Bolsa de Valores, reaberta, sobe 15%.

O ritmo frenético não arrefece nas semanas seguintes. A nova lei agrícola permite ao governo pagar pela redução da produção rural e segurar os preços. Aprovada na Câmara, empaca no Senado até que Roosevelt cede à pressão e decide abandonar o padrão-ouro. Sanciona a exploração e a distribuição de eletricidade pelo governo no Vale do Tennessee, o alívio nas hipotecas urbanas e rurais e a reforma nas regras para lançar papéis no mercado acionário. Obtém aprovação para destinar US$ 500 milhões ao primeiro programa federal de assistência social, para usar US$ 3,3 bilhões na criação de 1 milhão de empregos em obras públicas e para abrir 250 mil vagas no plantio de árvores em florestas e parques nacionais (havia 15 milhões de desempregados). Novas leis impuseram limites às jornadas laborais, vetaram o trabalho infantil e garantiram direitos sindicais. Também criaram um mecanismo por meio do qual o governo ajudava indústrias em crise. Nem todas as medidas sobreviveriam às pressões ou à Suprema Corte. Nem todas deixariam um legado positivo. Mas elas mudaram o país. Aqueles 100 dias resgataram a democracia americana ao promover, nas palavras do próprio Roosevelt, “uma revolução — do tipo certo, o único tipo de revolução que esta nação pode defender —, uma revolução pelas urnas”.

NOTHING TO FEAR 

Adam Cohen, Penguin Books

2009 | 404 páginas | US$ 17

Helio Gurovitz é jornalista e blogueiro do portal G1

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