Bernardo Mello Franco
Bolsonaro sabota a quarentena por acreditar que a recessão derrubará sua popularidade. Mas o efeito de uma crise humanitária pode ser muito pior
Há pouco mais de um mês, Jair Bolsonaro admitiu o que realmente o aflige na pandemia do coronavírus. O presidente não está preocupado com a escalada da doença, a escassez de testes ou o risco de colapso nos hospitais. Ele só pensa na própria popularidade, que julga ameaçada pela retração econômica.
Aconselhado por empresários sem escrúpulos e por um Posto Ipiranga sem combustível, o capitão se convenceu de que a recessão fará sua base eleitoral derreter. Com isso, também iria pelo ralo o sonho do segundo mandato. “Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo”, desabafou, em entrevista à Rádio Bandeirantes.
Bolsonaro fez a declaração em 16 de março, véspera da primeira morte pela Covid-19 no país. Desde então, ele se lançou em campanha contra a ciência, a medicina e o consenso internacional em torno das medidas de isolamento. A cruzada culminou na demissão do ministro da Saúde, quando o país ultrapassava a marca de duas mil vítimas da infecção.
Para quem não consegue dimensionar a tragédia em curso, vale lembrar que o maior acidente aéreo em solo brasileiro, a queda de um Airbus da TAM em Congonhas, matou 199 pessoas. Em um mês, o coronavírus produziu um saldo de vítimas equivalente a dez aviões. Agora a conta cresce em ritmo superior a um avião por dia. Só na sexta-feira, foram 217 mortos.
Se tirasse os olhos do WhatsApp para examinar o noticiário internacional, Bolsonaro veria que seu cálculo está furado. Em países que devem sofrer uma retração econômica maior que a nossa, a popularidade dos governantes cresceu na pandemia. Isso ocorreu em países como Itália, França e Espanha, para os quais o FMI projeta quedas entre 7,2% e 9,1% do PIB. O tombo previsto para o Brasil é de 5,9%.
A aprovação de Conte, Macron e Sánchez cresceu porque os três apostaram em quarentenas rígidas. Com isso, indicaram que sua prioridade é salvar vidas, mesmo que isso retarde um pouco a retomada da economia. Os governos têm ferramentas para acelerar o crescimento, mas ainda não dispõem de meios para ressuscitar os mortos.
Ao empossar o novo ministro da Saúde, o capitão admitiu que sua estratégia tem um problema. “Essa briga de começar a abrir o comércio é um risco que eu corro, porque se agravar vem para o meu colo”, disse. Como sempre, Bolsonaro se referia ao risco de perder votos. O risco de perder a vida ele empurra para a população.
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O procurador-geral da República, Augusto Aras, é do tipo que não se constrange facilmente. Na terça-feira, ele foi acusado por 14 subprocuradores de exorbitar das suas funções para blindar o governo. Três dias depois, largou o serviço para fazer figuração na posse do ministro da Saúde.
Aras busca uma vaga no Supremo, mas deveria saber que a presença em solenidades palacianas não garante a nomeação desejada. Em 2016, o ministro Ives Gandra Filho, do Tribunal Superior do Trabalho, também arranhou sua imagem ao virar arroz de festa no Planalto. Quando surgiu a cadeira que ele tanto almejava, Michel Temer indicou Alexandre de Moraes.
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