O Brasil em crise constante, melhor vista de longe, e o sonho do meu pai, adiado por 50 anos de panamericanismo, de conhecer a Europa.
Meu pai admirava os Estados Unidos. Quando aceitou o convite para conhecer o país pela primeira vez foi para visitar a América cuja cultura admirava, e a democracia que na época se mobilizava para enfrentar o fascismo em expansão no mundo. Outra razão para aceitar o convite era que aqui também vivíamos uma “época”, a da ditadura filofascista do Estado Novo, que meu pai abominava.
Foram dois convites do Departamento de Estado para o jovem escritor brasileiro que, da primeira vez, foi sozinho e depois contou sua experiência no livro Gato Preto em Campo de Neve. Só quando arquivos do Departamento de Estado americano, que tratavam da “política da boa vizinhança” entre Brasil e Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, foram publicados, ficamos sabendo que a escolha do visitante não fora muito tranquila. Existe até uma correspondência entre um Rockefeller do Departamento de Estado e o J. Edgar Hoover, do FBI, sobre a conveniência de se convidar um notório comunista para conhecer a terra deles.
Na segunda ida do pai aos Estados Unidos patrocinada pelo Departamento de Estado (dois anos na Califórnia, entre São Francisco e Los Angeles, lecionando literatura brasileira), a família foi junto. Eu, guri, impressionado com o noticiário e a propaganda da Segunda Guerra, comecei a matar alemães e japoneses imaginários com tanto entusiasmo que tiveram que me levar a um médico para me acalmar. O médico me aconselhou a deixar a guerra para os profissionais. Fui um neurótico de guerra precoce, mas também vem daí meu pacifismo radical.
Voltamos para o Brasil em 45 – fim do Estado Novo, fim (era o que se pensava) do Getúlio Vargas, começo de outra “época” conturbada no País que, pensando bem, continua até hoje – mas ainda iríamos mais uma vez para o exílio voluntário: Washington, onde o pai dirigiria o Departamento Cultural da União PanAmericana durante quatro anos.
Estou contando tudo isso para dizer que, nas idas e vindas da família ao exterior, houve uma constante e um adiamento: o Brasil em crise constante, melhor vista de longe, e o sonho do meu pai, adiado por 50 anos de panamericanismo, de conhecer a Europa. Fui testemunha da realização do sonho. Chegamos a Veneza num fim de tarde pintado para nós pelo Canaletto, completado por uma lua cheia sobre a Praça de San Marcos. Olhei para o meu pai. Meu pai estava emocionado. O Brasil nunca estivera tão longe.
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