quinta-feira, 9 de julho de 2020

Algumas diferenças entre Brasil e China no enfrentamento da pandemia

Aeroporto de Xangai 

Coronavírus: "Senti na pele a diferença de como se comportam a China e o Brasil"
A universitária mineira Maria Luisa Malta, de 22 anos, fazia intercâmbio na Renmin University of China, em Pequim, quando os primeiros casos de Covid-19 vieram à tona. Quase fugida e só com uma mochilinha, deu a volta ao mundo na tentativa de fugir do novo coronavírus. Depois de cinco meses em quarentena, agora no Rio de Janeiro, ela compara a atuação das sociedades chinesa e brasileira durante a pandemia
Revista Marie Claire - MARIA LUISA MALTA


“Estava no segundo semestre do meu intercâmbio na Renmin University of China, em Pequim, quando a informação de que havia um vírus silencioso de transmissão muito rápida no país tomou conta dos noticiários. Antes que eu tivesse tempo para entender a dimensão do que estava acontecendo, minha vida virou de cabeça para baixo. Rapidamente soube que ficaria presa no dormitório minúsculo da universidade, recebendo comida na porta do quarto e tendo contato humano apenas no momento de checagem diária de temperatura. E, caso eu precisasse sair por algum motivo extraordinário, precisaria de uma autorização da universidade, com informações sobre a rota que eu iria fazer e o transporte público utilizado. Cada passo extremamente controlado pelo governo. Era assustador, mas ao mesmo tempo trazia um sentimento de segurança. Pensava que, se o governo era capaz de controlar cada passo de 1,2 bilhões de pessoas, também conseguiria controlar o vírus.

Assim que me deram a notícia que meus próximos dias seriam monitorados, sem sequer poder dar uma volta dentro do campus, pirei. Comprei um voo e fui para Xangai e parti apenas com uma mochilinha. Minha esperança era que tudo se resolvesse em duas semanas, que era a previsão inicial, e depois eu voltaria para minha vida em Pequim.

Lembro de chegar no aeroporto e encontrá-lo absolutamente vazio, com pessoas checando a temperatura de quem entrava -- assim como na porta dos demais estabelecimentos que permaneciam abertos, como alguns supermercados, lojas de conveniência, farmácia e também nos condomínios residenciais. Esse comprometimento coletivo nos dava esperança de que tudo voltaria ao normal.

Aos poucos, fomos aprendendo mais sobre o vírus. Não sabíamos que ele também era transmitido pelos olhos, não havia um exemplo a se seguir. Ao mesmo tempo que me sentia segura, a dúvida que ficava era: se o governo chinês estava sendo tão cauteloso, investindo milhares de yuans em pesquisas e construção de novos hospitais, será que a situação era pior do que as informações que chegavam? O medo existia principalmente pelas fontes de informação serem controladas pelo governo e a necessidade de VPN para acessar notícias de jornais estrangeiros sobre a China.

Com as ruas desertas e as pessoas de máscaras (mesmo antes de o uso delas ser obrigatório), me sentia num filme de terror futurístico. E, assim, me mantive na casa da minha amiga. Quando as companhias aéreas da Europa e dos Estados Unidos começaram a cancelar voos para a China, o número de casos não parava de aumentar, as medidas de restrições de mobilidade foram se intensificando ainda mais e minhas aulas foram canceladas sem previsão de volta, porém, me vi literalmente sem saída. Decidi sair de lá.

Naquele momento só haviam voos saindo de Xangai para Bangkok, na Tailândia, um dos aeroportos mais movimentados na Ásia; para Hong Kong, que também corria o risco de receber restrições de entrada; Qatar e Dubai, nos Emirados Árabes, que já estavam colocando pessoas recém-chegadas de viagem em quarentena; e Moscou, na Rússia, onde quase não se falava em Covid-19. Sem saber direito o que fazer -- me sentia extremamente segura na China, mas minha família, que não tinha como dimensionar o que estava acontecendo, insistia que eu voltasse para casa --, comprei minha passagem para Moscou. No dia seguinte, voei para lá. Eu e minha mochilinha. Nem casaco para o frio que estava fazendo lá eu tinha.

Minha ideia era ir de Moscou para Lisboa, em Portugal, onde mora meu namorado, e depois retomar minha vida em Pequim. Mas, com o coronavírus chegando também na terrinha e, na ocasião, sem trégua na China, acabei voltando para o Brasil. Pensava que aqui finalmente não teria mais que me preocupar 24 horas por dia com a Covid-19, que estaria segura de contaminação, perto da minha família e ainda conseguiria salvar meu semestre. Quando cheguei, no entanto, percebi que minha preocupação com o coronavírus estava só começando.

Depois de uma semana de aulas presenciais, a faculdade fechou as portas e lá estava eu, de novo, trancada em casa. Se na China me sentia insegura com as informações que recebia pela televisão, aqui me vi aqui inundada por um mar de fake news, sofrendo com a subnotificação de casos e mortes por Covid-19, e exposta a um governo que considera um grande feito desafiar a ciência. Tudo oposto ao que éramos submetidos lá, onde tinha a certeza de que estava sendo feito todo o possível para controlar a situação.

Na China, o governo fechou cidades. Levava comida e máscara na casa dos portadores do novo coronavírus, implantou a coleta, separação e incineração de lixo possivelmente contaminado. Construiu um hospital do zero em dez dias. Após descobrir casos de infectados que não haviam tido contato com outras pessoas contaminadas, começaram a usar tecnologia de ponta para identificar onde essa gente esteve e, assim, mapear os lugares que pudessem estar infectados.

Aqui, nas poucas vezes que saí para fazer compras, encontrei supermercados abarrotados e, principalmente no começo, gente histérica estocando comida, papel higiênico, álcool em gel e máscaras. Dá para observar mais claramente como uma sociedade em que cada indivíduo só pensa em si mesmo se comporta. Na China isso não aconteceu. As pessoas continuaram fazendo suas compras normalmente, em sua maioria online e sem fazer reserva alguma, por consciência social e respeito ao próximo.

Sem contar que, no Brasil, há milhares de habitações precárias, como em comunidades, muito trabalho informal, falta de infraestrutura familiar e socioeconômica. Tudo isso gera uma insegurança muito grande.

Vários sonhos meus foram deixados para depois, assim como o de pessoas do mundo todo. Voltar do intercâmbio antes da hora, deixar tudo na China – sim, minhas coisas ainda estão lá! – e sentir que, por onde eu passava, o vírus vinha atrás é uma sensação muito esquisita. Este é o meu quinto mês em quarentena. E se tem uma coisa que eu aprendi neste tempo todo, é que aquela frase clichê ‘aproveite cada dia como se fosse o último, carpe diem’ faz todo sentido.”

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