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quinta-feira, 4 de março de 2021

Subestimar a China é o maior erro estratégico que um país pode cometer


Em ano de PIB mundial em baixa, erra quem subestima a China

Fernanda Magnotta

Há tempos acompanhamos o debate sobre a transição do poder hegemônico no sistema internacional.

No alvorecer do século XXI, enquanto os Estados Unidos se debruçavam sobre a crise do 11 de setembro, a China era descrita como um dos BRICS, o acrônimo originalmente criado pelo banco de investimentos Goldman Sachs, e que também englobava Brasil, Rússia e Índia, além de incluir, mais tarde, a África do Sul.

De forma bastante simplificada, a tese subjacente ao agrupamento destes países indicava que os seus desenvolvimentos econômicos gerariam significativos impactos no mundo. Consequentemente, seriam necessárias reorganizações dos fóruns mundiais voltados à formulação de políticas públicas.

Aproximadamente vinte anos se passaram desde a primeira vez que a expressão "BRICS" foi utilizada. Dados recentes do FMI mostram que, no ano passado, a China já ultrapassou os Estados Unidos em tamanho do PIB, tornando-se a maior economia do mundo. Embora a estimativa dê conta de que o montante será de pouco mais de US$ 15 trilhões - menor, portanto, do que o PIB nominal norte-americano -, quando o assunto é paridade do poder de compra, a China chega a mais de US$ 24 trilhões contra US$ 20,8 trilhões dos Estados Unidos.

Também do ponto de vista econômico, segundo estatísticas das ONU divulgadas nesta semana, a China se tornou, em 2019, a maior solicitante de patentes internacionais, e aumentou a diferença com os norte-americanos no contexto da pandemia.

Com o governo Trump omisso durante boa parte da crise de covid-19, Pequim se moveu rápido para preencher vácuos de poder deixados pelos Estados Unidos. Como boa parte do que se demanda para combater o coronavírus é fabricado na China, o país tornou-se central no fornecimento de assistência material para o mundo: primeiro com máscaras e equipamentos de proteção individual em geral, depois com respiradores, e, por fim, por meio de ativos farmacêuticos necessários para produzir medicamentos utilizados em infecções secundárias, e, claro, vacinas. No meio tempo, também empreendeu uma ampla campanha diplomática para compartilhar práticas de combate à covid-19, mobilizando instituições regionais asiáticas e incluindo também países de outros continentes.

Em 2020, a China ultrapassou os Estados Unidos, tornando-se o principal parceiro comercial da União Europeia. No Brasil isso já havia acontecido muito antes, ainda em 2009. A presença chinesa na América Latina e na África é, aliás, objeto central de inúmeros estudos nas últimas décadas.

A China tem a maior população do mundo. É o segundo país em métricas relacionadas a gastos militares. Do ponto de vista econômico, mesmo no contexto da crise internacional, em que os números são os mais modestos desde 1976, as informações da OCDE reportam que a China poderá ser a única potência com crescimento positivo no planeta em 2020: aproximadamente 2,3%.

Com o desenvolvimento como prioridade máxima, o país adotou a chamada "going out policy". Trata-se de uma estratégia para incentivar as empresas chinesas a investirem no exterior, com apoio dos bancos estatais (os chamados "big four"), do Banco Chinês de Desenvolvimento e de bancos multilaterais.

Além disso, sob a gestão do presidente Xi Jinping, a China lançou, há alguns anos, a iniciativa "Belt and Road", que visa renovar a antiga rota da seda por meio da construção de corredores terrestres e marítimos. O megalomaníaco projeto de infraestrutura abarca mais de 60 países, cerca de 65% da população mundial e 1/3 do PIB global.

Envolve a criação de novas estradas, portos, estruturas ferroviárias, oleodutos, gasodutos, linhas de transmissão de energia e parques industriais. Com isso, a China intenciona consolidar sua influência no exterior imediato e projetar setores específicos como telecomunicações, transportes e a indústria pesada.

Ao mesmo tempo, a China também promove o "Made in China 2025", um plano que visa fortalecer a produção manufatureira de alto valor agregado no país. Entre os setores considerados chave pelo governo estão tecnologia da informação, equipamento aeroespacial, novos materiais, equipamentos médicos, maquinário agrícola, entre outros. O objetivo é abastecer cadeias de suprimento e promover a inovação internacional por meio de inteligência artificial e big data.

Enquanto isso, além de liderar o G20 e participar de blocos regionais, a China também se articula para criar a Comunidade Econômica do Leste Asiático, a Parceria Econômica Regional Abrangente e a Área de Livre Comércio da Ásia Pacífico.

Está desatualizado quem ainda olha para a China como um exportador de quinquilharias ou produtos de baixo valor agregado. Também está mal informado quem assume que a China simplesmente almeja emplacar o comunismo mundo afora. A China desse século trabalha para se consolidar como um potência tecnológica. Está interessada em não perder o bonde da revolução 4.0 e das oportunidades que dela derivam. Para isso, aposta em uma política de pragmatismo total.

Subestimar a China é o maior erro estratégico que um país pode cometer nessa era.

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

A vacinação em massa já começou na China

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

A sonda chinesa Chang’e-5 pousou com sucesso na Lua e já enviou imagens de volta


terça-feira, 3 de novembro de 2020

A China e seus 50 anos em 5


Luiz G. Belluzzo e Elias Jabbour

No Brasil, o governo está obcecado com a cor do gato. Se o gato é capaz de caçar ratos, isso não interessa

Valor Econômico

O professor Yu Yongding observou, recentemente no Valor (“A estratégia de ‘dupla circulação’ da China, 30/09/2020) que “a politica de dissociações e ações do governo Trump deixaram a China sem escolhas a não ser dobrar a ligação do crescimento econômico com a demanda doméstica, para garantir uma posição sólida nas cadeias globais de valor”. Eis um raciocínio. Por outro lado, ainda na chamada “geoeconomia”, o prestigiado professor Lanxin Xiang, autor de um verdadeiro best seller lançado recentemente (“The Quest for Legitimacy in Chinese Politics”, Routledge) tem sintetizado um grande debate que ocorre nos círculos intelectuais chineses sobre o abandono, por Xi Jinping, do conselho original de Deng Xiaoping de que a China deveria esperar seu tempo e manter um perfil discreto.

O que determinadas discussões acadêmicas sobre a China acabam não levando em consideração é que Deng Xiaoping, um homem capaz de apontar o dedo no horizonte como poucos no século XX, não poderia prever duas ordens de acontecimentos, inter-relacionados: 1- A financeirização das economias ocidentais tornou muito mais instável a instabilidade sugerida por Hyman Minsky, o que suscitou ameaças à legitimidade das chamadas “democracias liberais” e 2- A China simplesmente aproveitou as brechas históricas abertas diante de si para avançar em velocidade máxima, tanto nos caminhos das cadeias globais de valor quanto nos territórios econômicos externos.

Os chineses partem para a execução de seu 14º Plano Quinquenal, em meio a instabilidades e incertezas, apetrechados dos recursos institucionais e políticos para arrostar as ameaças à paz sonhada por Deng para o desenvolvimento do país. O que poderia ocorrer somente em 2049 foi antecipado em quase 30 anos.

Os “neo-institucionalistas” Douglas North, Daron Acemoglu e outros, insistiram em previsões equivocadas a respeito do destino da China ao ignorar as peculiaridades do arranjo institucional construído pacientemente depois das reformas iniciadas no crepúsculo dos anos 70. Hoje, essas instituições peculiares se preparam para mais uma resposta que pode botar de queixo-caído os profetas da desgraça.

O novo plano quinquenal nos lembra muito os chamados 50 anos em 5 de nosso JK. O martelo foi batido na semana passada durante reunião do Comitê Central do Partido Comunista da China onde detalhou-se dois níveis de ação incluindo o próprio 14º Plano Quinquenal e os objetivos mais estratégicos a serem alcançados até o ano de 2035.

É interessante observar que os portentosos números proclamados no anúncio dos planos quinquenais anteriores foram abandonados, à exceção da meta almejada para a renda per capita de US$ 20 mil em 2035 - o que significa dobrar a atual. A não proclamação de grandes números não indica a perda de critério, mas a ênfase em conceitos. O conceito-chave é a chamada “Estratégia de Dupla Circulação”.

A “dupla circulação” está definida em dois âmbitos interrelacionados. A “circulação interna” busca a consolidação de um mercado interno, cuja classe média passaria dos atuais 400 milhões para a casa dos 700 milhões em 2025. A manutenção da política de aumentos médios do salário mínimo será mantida de forma a articular tal política com o relaxamento das restrições impostas pelo sistema Hukou de migração interna dos trabalhadores.

Os dados disponibilizados pelo Global Wage Report 2018-2019 patrocinado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que o salário mínimo chinês cresceu 280% entre 2004 e 2018. Entre as restrições a serem levantadas estão o acesso a serviços sociais. Enquanto o Brasil se entrega ao salário por hora e à desproteção social, os documentos governamentais do 14º Plano Quinquenal enfatizam a “Nova Urbanização”, cuja centralidade é a construção de poderosos esquemas de seguridade social, cobertura médica, educacional, cultural e elevação da produtividade do trabalho na agricultura - no rumo da construção de soberania alimentar.

No âmbito da segunda circulação, a “circulação externa” estão os dispositivos destinados ao enfrentamento da guerra declarada por Trump. Todas as fundações institucionais, produtivas e financeiras erguidas e desenvolvidas ao longo das últimas décadas estarão concentradas na tarefa de construir a plena soberania tecnológica. Esse objetivo está definido de modo a permitir o avanço da China nos assim chamados “setores-chave”, que para bons entendedores significa o fechamento do gap chinês em relação aos EUA na cadeia dos semicondutores.

De imediato um grande plano de US$ 1,5 trilhão já está em execução somente para esta finalidade. Arranjos diplomáticos, econômicos de todo tipo estão em andamento: eles envolvem desde a construção de novos chips com materiais alternativos até a “atração” dos melhores engenheiros taiwaneses e sul-coreanos. Esta estratégia poderá garantir ampla presença chinesa nas cadeias globais de valor.

E, diga-se, esse projeto é executado com o propósito de “aprisionar” Wall Street em uma ousada política de abertura planificada da conta de capitais. Sim, o “desacoplamento” sonhado por Trump não conta com o apoio dos grandes capitais americanos, nem tampouco dos conglomerados financeiros que, para espanto de alguns incautos, contam com uma crescente participação acionária chinesa.

O conjunto da obra aponta para uma acelerada transição entre o crescimento baseado nas ideias de Arthur Lewis - e sua conhecida oferta ilimitada de mão de obra - para um processo de crescimento baseado em: ganhos salariais, ampliação dos serviços públicos e soberanias financeira e tecnológica.

Capitalismo de Estado ou Socialismo de Mercado? A essa indagação cabe a resposta de Deng Xiao Ping na aurora dos anos 80: “Não importa a cor do gato se o bicho caça ratos”. Recentemente, o presidente Xi Jinping anunciou as políticas de “ampliação do papel do mercado” e de reforço às empresas estatais. O propósito, dizia ele, é alentar o empreendedorismo e a inovação.

No Brasil de hoje, o governo e seus apoiadores estão obcecados com a cor do gato. Se o gato é capaz de caçar ratos, isso não interessa.


*Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp.

*Elias Jabbour é professor dos programas de pós-graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.

segunda-feira, 20 de julho de 2020

EUA perdem a esperança e ameaçam; China se recupera


Nelson de Sá 
'Executivos que se preparavam para meses agora estão pensando em anos', diz WSJ; Tesla e JP Morgan avançam na China, diz Caixin
Três dias após o secretário de Justiça dos EUA, William Barr, ameaçar até as gigantes do Vale do Silício e os estúdios de Hollywood por se "prostrarem" diante da China, o Wall Street Journal manchetou no domingo:

"Empresas dos EUA perdem a esperança de recuperação rápida da Covid." Logo abaixo, "Executivos que estavam se preparando para uma disrupção de meses agora estão pensando em anos".

Em sua reportagem sobre Barr, o WSJ já tinha avisado que "muitas empresas dos EUA veem muito de seu crescimento futuro vindo da China" e não querem voltar para casa.

Na China, a manchete do Caixin no domingo, online e na revista impressa, em chinês e em inglês, foi para o TikTok, "a empresa chinesa de internet mais bem-sucedida internacionalmente", ameaçada de banimento pelo secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo.

Outras chamadas no Caixin Global foram para as empresas americanas, da Tesla ao JP Morgan, que acabam de apresentar saltos bilionários em seus negócios e investimentos na China.

AUTOSSUFICIÊNCIA CHINESA

Ex-editor do South China Morning Post e hoje colunista, Wang Xiangwei escreve de Pequim que, "mesmo que a dissociação [decoupling] dos EUA continue improvável, os líderes chineses se preparam para o pior".

E o fazem com a "teoria da dupla circulação", produção e consumo interno crescentes, visando "Zili Gengsheng" ou autossuficiência —com "profundas implicações para a economia mundial".

FIM DE JOGO ALEMÃO

Os britânicos Financial Times e Economist publicam que o veto formal do Reino Unido à Huawei era um degrau na pressão de Donald Trump sobre a Alemanha.

A chanceler Angela Merkel e até a empresa sueca Ericsson, concorrente da Huawei que tem —e quer manter— sua presença na China, resistem. A decisão sai em cerca de três meses.

FIM DE UMA ERA?

Sob o título "Era das notícias grátis para Facebook e Google pode estar perto de acabar" a Bloomberg ouve o órgão de concorrência da Austrália e avisa que ainda neste mês saem "as regras forçando os dois gigantes dos EUA a compartilhar a receita gerada pelas notícias com os editores originais".


Nelson de Sá
Jornalista, publica a coluna Toda Mídia e cobre imprensa e tecnologia

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Após quarentena rigorosíssima, China volta a crescer e lidera a retomada global


PIB da China ganha fôlego após reabertura e cresce 3,2% no 2º trimestre
Crescimento anunciado nesta quinta-feira (16) supera as expectativas do mercado, mas não repõe todas as perdas causadas pela Covid-19

O PIB (Produto Interno Bruto) da China cresceu 3,2% entre abril e junho de 2020 comparado ao mesmo período do ano anterior, segundo dados oficiais, indicando uma retomada de fôlego após a reabertura da economia em meio à pandemia da Covid-19.

O crescimento anunciado nesta quinta-feira (16) superou as expectativas do mercado —uma enquete realizada pela agência de notícias Reuters com analistas financeiros previa uma alta do PIB chinês em torno de 2,5% no período.

Ainda assim, o desempenho não foi suficiente para repor as perdas registradas no trimestre anterior, quando a economia chinesa sofreu um tombo recorde de 6,8%. No agregado semestral, o PIB da China caiu 1,6% em relação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com o Escritório Nacional de Estatística.

O governo de Pequim vem implementando um pacote de estímulo econômico após controlar o surto da Covid-19 nas principais regiões do país. Dessa forma, a China, segunda maior economia do mundo depois dos EUA, lidera a retomada global em meio à crise provocada pelo coronavírus.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Piada mais popular na China atualmente

 
O fantasma do presidente Mao volta e quer saber de tudo que está acontecendo:

Presidente Mao: Existe comida suficiente para todos?
Nós: Existe tanta comida que estamos fazendo dieta!

Presidente Mao: Ainda existem capitalistas?
Nós: Eles são os grandes exportadores!

Presidente Mao: Já produzimos mais aço que a Inglaterra?
Nós: Somente Tangshan produz mais que os Estados Unidos!

Presidente Mao: Vencemos o Social-imperialismo (URSS)?
Nós: Eles se dissolveram!

Presidente Mao: Esmagamos o Imperialismo?
Nós: Nós somos os imperialistas agora!

Presidente Mao: E a minha Revolução Cutural?
Nós: Está nos Estados Unidos agora!

Fonte

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Algumas diferenças entre Brasil e China no enfrentamento da pandemia

Aeroporto de Xangai 

Coronavírus: "Senti na pele a diferença de como se comportam a China e o Brasil"
A universitária mineira Maria Luisa Malta, de 22 anos, fazia intercâmbio na Renmin University of China, em Pequim, quando os primeiros casos de Covid-19 vieram à tona. Quase fugida e só com uma mochilinha, deu a volta ao mundo na tentativa de fugir do novo coronavírus. Depois de cinco meses em quarentena, agora no Rio de Janeiro, ela compara a atuação das sociedades chinesa e brasileira durante a pandemia
Revista Marie Claire - MARIA LUISA MALTA


“Estava no segundo semestre do meu intercâmbio na Renmin University of China, em Pequim, quando a informação de que havia um vírus silencioso de transmissão muito rápida no país tomou conta dos noticiários. Antes que eu tivesse tempo para entender a dimensão do que estava acontecendo, minha vida virou de cabeça para baixo. Rapidamente soube que ficaria presa no dormitório minúsculo da universidade, recebendo comida na porta do quarto e tendo contato humano apenas no momento de checagem diária de temperatura. E, caso eu precisasse sair por algum motivo extraordinário, precisaria de uma autorização da universidade, com informações sobre a rota que eu iria fazer e o transporte público utilizado. Cada passo extremamente controlado pelo governo. Era assustador, mas ao mesmo tempo trazia um sentimento de segurança. Pensava que, se o governo era capaz de controlar cada passo de 1,2 bilhões de pessoas, também conseguiria controlar o vírus.

Assim que me deram a notícia que meus próximos dias seriam monitorados, sem sequer poder dar uma volta dentro do campus, pirei. Comprei um voo e fui para Xangai e parti apenas com uma mochilinha. Minha esperança era que tudo se resolvesse em duas semanas, que era a previsão inicial, e depois eu voltaria para minha vida em Pequim.

Lembro de chegar no aeroporto e encontrá-lo absolutamente vazio, com pessoas checando a temperatura de quem entrava -- assim como na porta dos demais estabelecimentos que permaneciam abertos, como alguns supermercados, lojas de conveniência, farmácia e também nos condomínios residenciais. Esse comprometimento coletivo nos dava esperança de que tudo voltaria ao normal.

Aos poucos, fomos aprendendo mais sobre o vírus. Não sabíamos que ele também era transmitido pelos olhos, não havia um exemplo a se seguir. Ao mesmo tempo que me sentia segura, a dúvida que ficava era: se o governo chinês estava sendo tão cauteloso, investindo milhares de yuans em pesquisas e construção de novos hospitais, será que a situação era pior do que as informações que chegavam? O medo existia principalmente pelas fontes de informação serem controladas pelo governo e a necessidade de VPN para acessar notícias de jornais estrangeiros sobre a China.

Com as ruas desertas e as pessoas de máscaras (mesmo antes de o uso delas ser obrigatório), me sentia num filme de terror futurístico. E, assim, me mantive na casa da minha amiga. Quando as companhias aéreas da Europa e dos Estados Unidos começaram a cancelar voos para a China, o número de casos não parava de aumentar, as medidas de restrições de mobilidade foram se intensificando ainda mais e minhas aulas foram canceladas sem previsão de volta, porém, me vi literalmente sem saída. Decidi sair de lá.

Naquele momento só haviam voos saindo de Xangai para Bangkok, na Tailândia, um dos aeroportos mais movimentados na Ásia; para Hong Kong, que também corria o risco de receber restrições de entrada; Qatar e Dubai, nos Emirados Árabes, que já estavam colocando pessoas recém-chegadas de viagem em quarentena; e Moscou, na Rússia, onde quase não se falava em Covid-19. Sem saber direito o que fazer -- me sentia extremamente segura na China, mas minha família, que não tinha como dimensionar o que estava acontecendo, insistia que eu voltasse para casa --, comprei minha passagem para Moscou. No dia seguinte, voei para lá. Eu e minha mochilinha. Nem casaco para o frio que estava fazendo lá eu tinha.

Minha ideia era ir de Moscou para Lisboa, em Portugal, onde mora meu namorado, e depois retomar minha vida em Pequim. Mas, com o coronavírus chegando também na terrinha e, na ocasião, sem trégua na China, acabei voltando para o Brasil. Pensava que aqui finalmente não teria mais que me preocupar 24 horas por dia com a Covid-19, que estaria segura de contaminação, perto da minha família e ainda conseguiria salvar meu semestre. Quando cheguei, no entanto, percebi que minha preocupação com o coronavírus estava só começando.

Depois de uma semana de aulas presenciais, a faculdade fechou as portas e lá estava eu, de novo, trancada em casa. Se na China me sentia insegura com as informações que recebia pela televisão, aqui me vi aqui inundada por um mar de fake news, sofrendo com a subnotificação de casos e mortes por Covid-19, e exposta a um governo que considera um grande feito desafiar a ciência. Tudo oposto ao que éramos submetidos lá, onde tinha a certeza de que estava sendo feito todo o possível para controlar a situação.

Na China, o governo fechou cidades. Levava comida e máscara na casa dos portadores do novo coronavírus, implantou a coleta, separação e incineração de lixo possivelmente contaminado. Construiu um hospital do zero em dez dias. Após descobrir casos de infectados que não haviam tido contato com outras pessoas contaminadas, começaram a usar tecnologia de ponta para identificar onde essa gente esteve e, assim, mapear os lugares que pudessem estar infectados.

Aqui, nas poucas vezes que saí para fazer compras, encontrei supermercados abarrotados e, principalmente no começo, gente histérica estocando comida, papel higiênico, álcool em gel e máscaras. Dá para observar mais claramente como uma sociedade em que cada indivíduo só pensa em si mesmo se comporta. Na China isso não aconteceu. As pessoas continuaram fazendo suas compras normalmente, em sua maioria online e sem fazer reserva alguma, por consciência social e respeito ao próximo.

Sem contar que, no Brasil, há milhares de habitações precárias, como em comunidades, muito trabalho informal, falta de infraestrutura familiar e socioeconômica. Tudo isso gera uma insegurança muito grande.

Vários sonhos meus foram deixados para depois, assim como o de pessoas do mundo todo. Voltar do intercâmbio antes da hora, deixar tudo na China – sim, minhas coisas ainda estão lá! – e sentir que, por onde eu passava, o vírus vinha atrás é uma sensação muito esquisita. Este é o meu quinto mês em quarentena. E se tem uma coisa que eu aprendi neste tempo todo, é que aquela frase clichê ‘aproveite cada dia como se fosse o último, carpe diem’ faz todo sentido.”

sábado, 21 de março de 2020

China está novamente a mil por hora, com trens e atividades ao ar livre com cada vez mais gente

Passado o pico da pandemia de coronavírus, barulho de obras já voltou a Xangai
Thais Moretz

São 6h em Xangai, e acordo com o ruído de obras.

É a China novamente a mil por hora, construindo mais algumas estações e duas novas linhas de metrô.

Ao todo, já são mais de 700 quilômetros de extensão, com média de circulação de 10 milhões de passageiros por dia.

Difícil acreditar que, semanas atrás, tudo parecia estar paralisado pela epidemia de Covid-19.

Desde que me mudei para essa gigante metrópole, com cerca de 25 milhões de habitantes, o que mais me impressiona aqui é a velocidade das mudanças.

Você vai a uma rua hoje e, na semana seguinte, as fachadas das lojas já estão diferentes, e novos estabelecimentos foram criados. Tem obras de todos os tipos, em todas as localidades.

A tecnologia se desenvolve como em nenhum outro lugar do mundo.

Há uma infinidade de aplicativos, como o WeChat e o Alipay, e mini-aplicativos dentro dos aplicativos, que permitem gerenciar a vida em poucos cliques: é possível fazer supermercado, realizar transferências bancárias e comprar passagens de trem.

A vida na China parece acontecer em um outro ritmo, mais acelerado. Em dez dias, o país construiu um hospital, bem como fábricas e linhas de montagem para a produção de máscaras, roupas e equipamentos de segurança para os profissionais de saúde.

Também houve alterações na circulação de pessoas e no controle de cargas, e o desenvolvimento de novos aplicativos de celular, como um código QR que classifica se a pessoa passou por locais de risco: a classificação verde sinaliza livre circulação; a amarela, quarentena doméstica; e a vermelha, quarentena vigiada por autoridades.

Com todos esses recursos, não me surpreende o sucesso na contenção da epidemia de Covid-19.

Hoje a população está de volta ao trabalho, os carros estão nas ruas, os trens, em funcionamento, e as atividades ao ar livre concentram cada vez mais gente.

Algumas alterações na rotina continuam, como a presença de fiscais nos edifícios, olhando os códigos QR, coletando dados e medindo as temperaturas.

Tudo para prevenir e identificar os círculos de contatos comunitários, caso surja a confirmação de um novo infectado. Segundo a Universidade Johns Hopkins, Xangai contabiliza 371 casos e três mortes.

No Brasil, como o tempo é outro e os recursos são mais escassos, não conseguimos construir hospitais e fábricas em velocidade acelerada nem desenvolver um esquema tão eficiente para monitorar os casos.

Será preciso importar recursos, sobretudo para a recuperação dos doentes.

Assim, profissionais de relações internacionais e comércio exterior, como eu, estão empenhados para identificar fornecedores de insumos estratégicos, participando de redes de informações com empresas e governos, para contribuir com essa força-tarefa.

sexta-feira, 20 de março de 2020

Para o olavismo a China é inimiga a ser derrotada e os chineses sabem com quem estão lidando

Roque Citadini 

A nota da embaixada foi violenta. Fica claro que entenderam o twitter. Esse papo do Brasil de que é só um deputado  eles sabem que não é verdade.Eles estão respondendo ao desafio do olavismo que são fortes no governo. Do presidente aos ministros. Por isso foram duros na nota.

O plano Kissinger falhou quando a China ficou rica sobcontrole do PCC.Era pra ficar rica e derrubar o PC do poder. Ai nasce a luta da extrema -direita dos EUA.Acusam os democratas de terem “ normalizado” o novo status chines : rico e comunista. A franja olavista está nesta luta.

É claro q o governo chinês sabe de tudo isso.Também o governo brasileiro trabalho de má vontade com a dependência da China.Gostaria de falar alto o que pensa.Mas a dependência do agronegócio é tanta q não dá pra fazer nada. Por esta razão usam um twitter para falar com os seus.

Esconder a verdade em desastre não é exclusivo de ditaduras ( embora  mais comum).Alem Chernobyl, lembremos do acidente de Fukushima onde o governo japonês ( e a empresa ) foram acusados de esconder o que ocorria. Também em Three Mile Island, os EUA recebeu a mesma acusação.

O twitter do deputado vem nessa linha. E os chineses sabem o que ele disse. Para os olavistas a URSS caiu em Chernobyl.Por esta razão querem vincular com o corona  virus. Seria o produto de uma ditadura comunista que esconde a verdade. Festejaram e esperaram a hecatombe.

Como pensava Kissinger, a China ficou rica, forte e virou potência.Apareceu uma classe média cada vez mais numerosa. Mas....a nova China não dá sinais de querer derrubar o PC do poder. Poder que exerce de forma total, controlando tudo e todos. Daí vem o desespero do olavismo.

Quando Kissinger estabeleceu as relações com a China criando condições comerciais especiais, os EUA acreditavam que a China ficaria distante da URSS, mas também, ficaria rica. Para Kissinger, nasceria uma classe media e derrubaria o PC do poder e seria,então,um “pais livre”.

Para o olavismo a China é inimiga a ser derrotada. Pensa igual a extrema-direita americana. O problema é que a China tornou-se grande potência econômica e todo mundo ficou dependente dela.Isso é que restringe a guerra aberta dos EUA e, claro, do Brasil.

quinta-feira, 19 de março de 2020

Embaixada da China responde ao deputado Eduardo Bananinha

Embaixada da China no Brasil

@BolsonaroSP
São absurdas e perconceituosas as suas palavras, além de ser irresponsáveis. Não vale a pena refutá-las.  Aconselhamos que busque informações científicas e confiáveis nas fontes sérias como a OMS,  úteis para ampliar a sua visão.

@BolsonaroSP
Os seus argumentos mostram que você não está arrependido pela sua atitude, tampouco ciente dos seus erros. Ao continuar a optar por ficar no lado oposto ao povo chinês,  está indo cada vez mais longe no caminho errado.

@BolsonaroSP
Que dê uma guinada o mais rapidamente possível, já que a história nos ensina que quem insiste em ataccar e humilhar o povo chinês,  acaba sempre dando um tiro no seu próprio pé.

@BolsonaroSP
Sob a liderança do Presidente Jair Bolsonaro, o Brasil está combatendo a epidemia do coronavírus. Como deputado federal, ao invés de contribuir devidamente para esse combate,  você tem  gastado tempo e energia para atacar deliberadamente a China e espalhar boatos.

@BolsonaroSP
Você afirma que foi eleito pelo povo, mas fica a pergunta: será que está cumprindo os seus deveres como deputado? Será que merece a confiança daquels que votaram em sí?
@camaradeputados

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Onde o comunismo deu certo? Na China, maior país do mundo

Chongqing

A cada vez que vejo o capitalismo neoliberal relativizando regime autoritário simpático ao livre mercado pelo "desenvolvimento" sou obrigado a usar o argumento "Democracia não importa? Ok, cabe lembrar que o maior case de desenvolvimento dos últimos 30 anos é um país comunista"

"Ah mas o milagre chileno sob Pinochet"

Caras, a China incluiu 500 milhões de pessoas na sociedade de consumo em 3 décadas, o Chile é metade de Chongqing e aquilo NEM EXISTIA como distrito industrial até a década de 90

E tudo conforme a cartilha comunista dos planos quinquenais.

"Onde o comunismo deu certo?", pergunta o passador de pano de regime autoritário de direita.

Já que "democracia" não importa, deu certo na China. Deu tão certo que o presidente autoritário daqui inventou que a China é "capitalista", afinal 1/4 de nossas exportações vai pra lá.

A China, com todos os seus enormes problemas, é o que acontece quando um regime comunista fortemente planificado adota um planejamento de abertura econômica e de reposicionamento do país no mundo levado à risca por 30 anos. O capitalismo é controlado pelo estado, não o contrário.

É bom? Essa é outra discussão

Mas é um indício monumental do fracasso do modelo capitalista neoliberal que o país que tem maior sucesso econômico após o surgimento do neoliberalismo seja um país comunista de quem TODOS os países de receituário neoliberal se tornaram dependentes

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Os supostos campos de concentração na China


Fernando L'Ouverture

(Não tão) breve comentário sobre a questão dos campos de concentração na China:

Eu estou ainda me atualizando sobre as notícias, mas é complicado. De um lado, há um esforço da imprensa ocidental de atribuir à China uma lógica racista sobre um regime autoritário.

Do outro, porém, há de fato uma preocupação policial do governo chinês sobre a região de Xinjiang, onde se concentra a maioria da população uighur.

Mas afinal, qual é a "verdade"? A Ocidental ou a do Partido Comunista Chinês?

Bem, na condição de historiador, não dá para encarar essas questões como se a gente fosse um positivista do século XIX. Mas dá para pensar umas coisinhas aqui:

Primeiro, que essa ideia de perseguição aos muçulmanos precisa ser mediada. Desde o século VII, o Islã adentrou as fronteiras da China, durante a dinastia Tang. E nas dinastias seguintes, seguiram tendo entrada no antigo "Reino do Meio".

Os muçulmanos passaram a ser identificados como "hui" (ou "hui hui") e ganharam a concepção de grupo étnico, ainda que fossem muitas etnias (persas, árabes, uighurs, quirguistanis etc).

O reconhecimento existia e em diferentes dinastias, "hui" foram incorporados na estrutura burocrática do Império, ou mesmo no serviço militar.

Em 1862, com a chegada do imperialismo europeu na China, líderes "hui" organizaram rebeliões em várias províncias (inclusive Xinjiang).

Eram províncias onde havia contingente significativo de população "hui" e que agora rejeitavam a fragilidade do império Qing, denunciando sua incapacidade de proteger comunidades pastoreiras e mercantis dos ataques ocidentais.

A rebelião Dungan foi contida em 1877, mas com altíssimo custo para o Império Qing.

Com a Revolução Xinhua, em 1911, os "hui" foram elevados a condição de uma das cinco principais etnias do país, identificadas na bandeira republicana pela cor preta.

O regime republicano então passou a considerar os "hui" como grupo étnico que compõe a nação chinesa.

Na Revolução Chinesa, pelo menos até 1966, a comunidade "hui" foi inserida como "huimin", como grupo étnico reconhecido pelo Estado.

E, de fato, segundo o governo da RPC, existem 56 grupos étnicos reconhecidos, com direitos e deveres, pelo Estado chinês. Os "hui" compõem 0,79% da população total. E há toda uma discussão se "hui" não islamizados podem ser considerados "huimin".

Claro, a Revolução Cultural não ajudou muito essa galera. A perseguição ao islã foi, em larga medida, semelhante a do budismo, do confucionismo etc. Após 1979, porém, o governo de Deng começou um longo período de pedidos de desculpas e reparações às comunidades "hui" reprimidas.

E aí um parenteses importante: a RPC não persegue "os muçulmanos". Ela tem reprimido duramente os uighurs. Mas nem todo muçulmano é considerado uighur. E nem todo uighur é considerado "hui".

Aí a gente poderia discutir o que é um uighur, um grupo étnico de origem turca e que durante muito tempo foi visto como "hui" na China (diferenciado apenas pelo uso do turbante). Mas a partir de 1949, a RPC identificou os uighurs como grupo étnico diferente dos "hui".

(teria ainda outras coisas para falar sobre como os chineses lidaram com a questão étnica ao longo de seus muitos séculos de história, mas para ser sintético, basta dizer que a noção europeia de "raça" nunca fez muito sucesso entre as elites burocráticas chinesas)

Em linhas gerais, o desejo de separatismo dos uighurs é algo recente, ligado a movimentos como o Partido Islâmico Turco, um grupo clandestino que a RPC denomina como "terrorista" desde 1988 - e que desde 1998 possui laços com a Al-Qaeda. E é importante destacar isso.

O segundo ponto, voltando para o presente, sobre porque os uighurs são perseguidos, pode ser explicado por meios culturalistas, falando sobre como há uma preocupação ancestral na China na incorporação do outro.

Existe uma dicotomia chinesa chamada "Hua-Yi" que lida justamente com essa lógica, mas ao invés dela medir a civilização pelo fenótipo (oi, Europa), ela mede pela incorporação dos hábitos e dos costumes do "reino do meio".

Eu não gosto muito dessa explicação, porque ela tende a assumir que a lógica da RPC é a mesma dos antigos impérios dinásticos. E embora haja semelhanças, há também muitas diferenças. Não dá para descartar, mas ela pode ser problemática.

Existe uma explicação econômica: a região de Xinjiang, desde 2010, passou a receber pesados aportes financeiros e teve construída, na cidade de Kashgar, a primeira Zona Econômica Especial que fica longe do litoral chinês.

Somado a isso, houve um enorme afluxo de "hui", que superou em larga escala os uighurs que ali viviam em termos de crescimento demográfico.

Esse afluxo de "hui" e o crescimento econômico da região supostamente teria deixado a população uighur a margem da nova pujança, o que gerou tensões de várias ordens.

E apesar da ZEE ter sido criado somente em 2010, a urbanização da região promovida por chineses "han", já a partir dos anos 1980, criou uma divisão social entre "han" urbanos e "uighurs" camponeses.

Tem também a questão política aí: essa relação tensionada gerou conflitos. Desde os anos 1990, grupos pan-islâmicos tem tido livre entrada entre os uighurs do que seria o Turquistão oriental (parte da província de Xinjiang).

Em 1996 o governo do PCCh prendeu cerca de 30 lideranças uigures durante o Ramadã e uma série de protestos e ataques terroristas tiveram início. Em 2001, no meio da euforia do 11 de setembro, a RPC já falava que havia células jihadistas atuando clandestinamente em Xinjiang.

Entre 2008 e 2009, os uighurs entraram em conflitos com os "han" em Xinjiang, em diversos protestos contra o governo chinês - inclusive criticando a exploração de trabalhadores migrantes uighurs em regiões como Guangdong.

Segundo o governo chinês, além do pan-islamismo, a influência de separatistas tibetanos tem se feito sentir na região, gerando instabilidade.

No final, todas essas explicações são parciais e não dão conta de entender o que está em jogo nesses conflitos.

Terceiro e último ponto (ufa!): até onde consigo ver, parece certo que o governo chinês viola direitos humanos no combate ao terrorismo de uighurs separatistas. Isso não implica, contudo, ser "anti-muçulmano" ou mesmo ser "anti-uighur".

Mas há questões econômicas e políticas que geram tensões inclusive entre grupos minoritários na região.

(basta lembrar que a intensa migração de "hui" em Xinjiang gerou novos conflitos e nos protestos de 2009, uighurs defenderam a morte não só de "han", mas também dos "hui")

Poderia dar o argumento "tu quoque", lembrando que Inglaterra, Estados Unidos, França, Bélgica e outros países do mundo ocidental não tem respeitado os direitos humanos no que se trata ao combate ao terrorismo.

Mas não gosto desse argumento - embora ele possa deixar claro que, se nos revoltamos com a situação chinesa, temos o imperativo moral de nos revoltar também com Guantanamo, Abu Gharib, entre outros.

Mas o "tu quoque" não explica nada. O separatismo uighur combinado com a formação de células jihadistas na China apresenta uma questão fundamental: como se formam esses grupos?

E aqui meu desacordo com a defesa apaixonada da RPC: Xinjiang é uma região profundamente desigual na China. E essa desigualdade se acentuou conforme o governo chinês deixou o capital fluir para lá. Como os marxistas bem sabem, o capital flui, mas de forma desigual e combinada.

Isso gerou acumulação de capital em grupos étnicos que, por sua vez, isolaram os uighurs do acesso não só ao econômico, mas também ao político. E foi esse cenário que jihadistas encontraram espaço para disseminar uma noção de separatismo religioso e fundamentalista.

Não dá para perder de vista também apoio de grupos insurgentes tibetanos e o apoio logístico da CIA e do Departamento de Estado americano - que financiam um "think tank" em prol do separatismo uighur chamado "World Uyghur Congress".

Mas esses grupos só conseguiram se fortalecer porque havia uma situação social propícia para a máquina de propaganda jihadista explorar fissuras nos discursos oficiais da RPC - em especial, o reconhecimento étnico e a igualdade social.

Ora, se os uighurs se sentiam preteridos em relação a grupos como os "hui" e os "han" e viam isso a partir do momento que a própria transformação econômica em Xinjiang estava a vapor, é sinal de que havia algo, de fato, a explorar.

Isso posto, não tem como garantir que a situação se resolva tão cedo. Xinjiang cresce em ritmo acelerado e a cidade de Kashgar chegou a ter crescimento econômico de mais de 17% ao ano - embora 2/3 da cidade tenham sido demolidos desde a última década.

E enquanto houver essa desigualdade, a força do separatismo étnico e religioso vai sempre encontrar combustível para se fortalecer, independente da repressão promovida pelo governo chinês.

E é isso. Parabéns para quem conseguiu chegar até aqui, porque esse fio foi longo mesmo. Mas espero que ele tenha aberto um pouco mais para o debate sobre a China hoje em dia.

PS: Sobre referências, a maioria delas vem de sites de notícias em inglês (inclusive a Xinhua, agência do governo chinês).

As referências sobre história podem ser vistas em livros como "Em busca da China moderna" e "The rise of modern China", embora elas deem conta somente da dinastia Qing em diante.

Xie-xie. :)

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

"Bolsonaro vai se arrepender de provocar o tigre chinês", diz o Financial Times

BRADO-NY

Poucos dias antes da posse, o jornal americano Financial Times escancara: ’Bolsonaro vai se arrepender de provocar o tigre chinês. O futuro presidente do Brasil tem insultado Pequim para agradar Donald Trump.’

A matéria chama de ‘sem noção’ a tentativa de Bolsonaro de atrair os holofotes enquanto se coloca como capacho dos EUA e destaca que Trump nunca deu nenhum sinal de que ofereceria qualquer vantagem ao Brasil em troca de uma ruptura com a China, mesmo porque isto seria inviável:

‘O presidente eleito brasileiro e seu círculo íntimo acreditam que se pode confiar nos EUA para compensar quaisquer perdas envolvidas em seu pivô da China. 

Agora que os republicanos perderam o controle da Câmara dos Deputados, qualquer esforço para estreitar as relações com o Brasil enfrentará a oposição dos democratas, que abominam a postura de Bolsonaro sobre direitos humanos, sua postura contra a proteção das minorias, quanto às mudanças climáticas e sobre as leis que governam o país. 

Destruir o relacionamento político do Brasil com a China provocaria uma retaliação comercial, o que aumentaria os índices de desemprego.‘