Milhões ainda não sabem o que farão após o fim do auxílio emergencial
A crise da Covid elevou e elevará ainda mais a dívida pública do governo brasileiro. Mas qual é conceito relevante de dívida pública? Durante o governo do PT, vários analistas passaram a enfatizar a dívida bruta, no sentido de que os ativos do governo não eram muito líquidos e, também, para ignorar a queda da dívida líquida sob o comando de Lula.
Mais recentemente, os pagamentos antecipados do BNDES ao Tesouro (Guedes quer mais R$ 100 bi, em janeiro) e a alta liquidez das reservas internacionais diminuíram a ênfase da Faria Lima na dívida bruta. Hoje até o BC de Bolsonaro voltou a enfatizar a dívida líquida.
Do ponto de vista econômico o critério correto é mesmo a dívida líquida, a diferença entre passivos que pagam juro e ativos que recebem juro, pois ela representa o valor presente dos superávits primário futuros.
Neste ano, considerando “Governo Geral” e Banco Central, nossa dívida líquida atingiu seu maior valor em proporção do PIB desde o final do governo Fernando Henrique (FH).
Segundo o IPEADATA, em setembro de 2002 a dívida líquida de União, estados, municípios e Banco Central atingiu 59,5% do PIB. Em agosto deste ano o mesmo conceito de dívida chegou a 59,8% do PIB.
Será que estamos tão mal quanto no final da era tucana? A resposta depende do que cada um prefira enfatizar.
Começando pelo lado positivo, hoje nosso governo tem muito mais reservas internacionais do que em 2002. Desde 2006, o Estado brasileiro é credor em dólares e, portanto, quando a taxa de câmbio sobe, o governo tem um ganho patrimonial que alivia sua restrição fiscal. No final do mandato de FH a situação era completamente oposta. O governo estava quebrado em dólares, dependendo do FMI para fechar suas contas externas. Ponto para a situação atual.
Ainda pelo lado positivo, apesar da aceleração recente, nossa inflação está baixa e sob controle. Em contraste, no final de 2002, a inflação atingiu 12,5% ao ano e continuou a acelerar, exigindo que o BC, no início do governo Lula, elevasse a taxa Selic real para 16% ao ano.
Agora, mesmo que o BC suba o juro para combater o repique dos preços dos alimentos, a taxa de juro real de curto prazo deve ficar abaixo de 2% ao ano nos próximos anos. Dois a zero para a situação atual.
Mas vamos às más notícias. A dívida líquida do governo começou a cair nos últimos meses do governo FH, quando o “mercado” abandonou o terrorismo contra Lula e constatou que haveria estabilização nos anos seguintes.
Hoje a perspectiva é que a dívida suba ainda mais, pois o crescimento do PIB não se recuperará rapidamente, as consequências da pandemia não permitem retirada abrupta das “medidas emergenciais” e o governo simplesmente não tem plano de saída crível da pandemia. Ponto para o final do governo FH.
Para empatar o jogo. Em 2002 os tucanos ainda não tinham enlouquecido, havia alguma civilidade na vida pública e não tínhamos a “idolatria da auditoria”, com poderes não eleitos (como TCU e Ministério Público) formulando política econômica.
Hoje, depois dos golpes de 2016 (impeachment de Dilma) e 2018 (prisão de Lula), o cenário político é bem mais incerto. Há grande polarização política, perda de governança com o “apagão das canetas” e um comando do Congresso fazendo piquenique na beira do vulcão para decidir quem serão os novos presidentes da Câmara e do Senado, enquanto milhões de pessoas não sabem o que farão após o
fim do auxílio emergencial.
Queria terminar este texto de modo otimista, mas a postura recente de Maia-Alcolumbre tornou isso difícil.
Nelson Barbosa
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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