Inflação da comida, auxílio no fim e falta de emprego desanimam brasileiro
A inflação da comida não era tão alta desde 2008, embora naquele tempo a economia e os salários crescessem rápido. Antes disso, carestia da comida tão ruim houvera apenas em 2003. Para piorar, o valor do auxílio emergencial caiu pela metade desde setembro.
Como a economia ainda está muito deprimida e a epidemia ainda muito animada, a perspectiva de emprego é difícil, em particular para o terço mais pobre da população. Há motivos para o brasileiro desanimar. Há números que medem a desanimação.
O Índice de Confiança do Consumidor (ICC) da FGV caiu pelo segundo mês consecutivo em novembro. O ICC é composto de várias medidas de ânimo. A que mais abateu o índice foi a expectativa econômica para os próximos meses.
A inflação da “alimentação no domicílio”, como diz o IBGE, aumentou em média 19,9% nos últimos 12 meses até novembro (na inflação medida pelo IPCA-15). As pancadas mais fortes do mês foram na batata, no tomate, no óleo de soja, no arroz e na carne de boi.
É a mesa comum do brasileiro. Inflação de alimentos em alta costuma ter impacto também no humor político, mesmo que a inflação geral esteja controlada, como agora. Em um ambiente em que a renda média deve diminuir, os ânimos não devem melhorar, é claro. No trimestre junho-agosto, o pagamento médio dos auxílios emergenciais somou R$ 45,3 bilhões por mês no país.
Em setembro, de R$ 24,2 bilhões. Em tese, zera em janeiro. O ritmo da inflação da comida não deve diminuir de modo notável até o final do ano. Há perspectiva teórica de vacina, um choque positivo. Mas o povo só acredita nisso quando vir a vacina no posto de saúde.
Os indicadores de tensão também aparecem em parte do mercado financeiro. As taxas de juros no atacadão de dinheiro continuam subindo. Essas taxas são o piso do custo do crédito nos bancos e do capital para as empresas (que tomam empréstimos a fim de expandir negócios, construções, comprar equipamentos etc. ou levam em conta o custo do dinheiro para tomar tais decisões).
Os juros estão abaixo apenas do nível de pânico de abril; estão mais altos que faz um ano. As condições financeiras gerais apenas não estão mais apertadas porque a Bolsa viaja alto e o dólar deu uma recuada, melhorias devidas ao cenário externo (perspectiva de vacina e eleição americana).
O motivo da alta das taxas de juros é óbvio e praticamente o mesmo desde agosto ou setembro. Isto é, a dívida pública é alta, não se sabe o que o governo vai fazer do problema, não se sabe se vai ter avacalhação do teto, se o governo terá algum plano econômico crível e se terá capacidade política de aprová-lo.
Jair Bolsonaro não entende nada disso e Paulo Guedes a cada dia se desmoraliza até na praça que o elegeu como salvador da pátria. Os povos dos mercados suspeitam que, na hipótese ou perspectiva de queda de popularidade, Bolsonaro faça bobagem maior com as contas públicas.
Na dúvida, os donos do dinheiro vão cobrando mais caro nos empréstimos para o governo. Para lembrar: a baixa taxa de juros de curto prazo é, no curto prazo, a única alternativa para evitar uma alta convulsiva da dívida do governo e os tumultos decorrentes. Se também a Selic for para o vinagre, teremos problemas muito feios.
A economia despiorou mais rápido do que o esperado até agora, mas ainda deve encolher 4,6% neste ano, na estimativa dos economistas do setor privado. A previsão de crescimento para 2021 é de 3,4%. Nem recupera o que se perdeu neste ano horrível. Imagine-se a situação se não crescermos nem isso.
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