sexta-feira, 27 de novembro de 2020

O identitarismo é reacionário

A coligação dos sonhos identitários: 50 tons de direita

Luis Felipe Miguel 

Tem circulado nas redes um desenho com os candidatos progressistas no segundo turno. Boulos aparece em primeiro plano, no centro, ladeado por Manuela e Marília Arraes, e os outros atrás.

Um poeta, cuja obra aliás admiro, compartilhou o desenho entendendo-o como se fosse material de campanha de Boulos. Seria o candidato do PSOL rodeado de apoiadores.

O poeta reclama, então, da falta de representatividade dos rostos ali desenhados, acusa a esquerda de ser racista e anuncia a vontade de votar nulo. Seguem-se dezenas de comentários na mesma linha.

Eu escrevi um comentário de duas linhas contextualizando o desenho - e recebi uma resposta grosseira, agressiva. Tá certo. Quem mandou atrapalhar a lacração alheia?

Sim, a elite política brasileira é desproporcionalmente branca, mesmo à esquerda. Os esforços para mudar essa realidade estão avançando, mas ainda no começo.

Por outro lado, não se pode ignorar que a esquerda lançou candidaturas negras a prefeituras tão importantes quanto Rio de Janeiro, Salvador ou Belo Horizonte. Mas não passaram ao segundo turno.

É possível discutir o porquê desse resultado. Mas o que se poderia esperar de um desenho representando os candidatos pelos quais podemos torcer no segundo turno? Vamos matar o mensageiro?

No desenho faltam negros e pessoas LGBT, escasseiam mulheres. Não há dúvida.

Também não há dúvida de que a candidatura de Boulos não é perfeita. Na verdade, com exceção das suítes para violoncelo de Bach, de algumas gravações do quinteto de Miles Davis nos anos 1950 e de paçoca, nada que é humano é perfeito.

Mas o ponto é: quais são as candidaturas que prometem maior avanço nas pautas da igualdade racial e de gênero e de combate às discriminações?

Também não há dúvida. É Boulos em São Paulo, as Marílias no Recife e em Contagem, Manuela em Porto Alegre, Margarida em Juiz de Fora, Edmilson em Belém e assim por diante.

Mas há quem opte por se escorar numa pretensa radicalidade, a se manter nela mesmo à base de interpretações enviesadas - e, às vésperas de um segundo turno histórico, prefira sabotar a candidatura de Boulos a trabalhar por ela.

A atenção dada a outros eixos de dominação social, além do de classe, tem feito a esquerda avançar. É essencial. E temos que ser capazes de conviver com uma pluralidade de hierarquização de agendas dentro do nosso campo.

Mas o identitarismo raso e autocomplacente é, estou cada vez mais convencido disso, uma forma de quintacolunismo, que só serve à direita.

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