Deltan tem de deixar LJ já. Caso de polícia não pode ter poder de polícia
Se, depois da reportagem publicada nesta quinta por Folha e pelo The Intercept Brasil, o procurador Deltan Dallagnol
continuar à frente da Lava Jato, então será preciso decretar, agora sim, a
falência não só da força-tarefa, mas também do Ministério Público Federal, uma
vez que até a Procuradoria-Geral da República, como ente, restará
desmoralizada. Por quê?
Contra a lei, Dallagnol investigou, de forma secreta, ao
menos dois ministros do Supremo: Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Faltassem outras
evidências de que a Lava Jato atuava — atua ainda? — como um Estado paralelo e
policial, agora não há mais. Para piorar o quadro: os bravos da força-tarefa,
liderados por Dallagnol, primeiro selecionavam os alvos para, então, dar início
a uma investigação informal. E, por óbvio, o trabalho se completava com o
vazamento para a imprensa não exatamente de informação. Podia ser um simples
boato. A Receita Federal acabou fazendo parte da arquitetura criminosa.
Ministros do STF não podem ser investigados por procuradores
de primeira instância, como Dallagnol. Tal tarefa, quando necessária, cabe à
PGR. Dallagnol não é do tipo que dê bola para a lei. No dia 13 de junho de
2016, travou o seguinte diálogo no "Grupo Acordo OAS", no Telegram:
Dallagnol – 23:09:42 – Quando é a próxima reunião?
O coordenador da força-tarefa estava interessado em saber
detalhes sobre uma reforma havida na casa de Toffoli, que ele chama
"apartamento", evidenciando que não estava suficientemente informado
nem sobre o boato. E qual era? O de que o empreiteiro Léo Pinheiro, um dos
sócios da OAS, havia arcado com o custo do trabalho.
No dia 28 de julho de 2016, Dallagnol procura, então,
Eduardo Pelella, número dois de Rodrigo Janot, à época procurador-geral da
República, e faz duas coisas: ele se oferece para passar as informações que
conseguir sobre o ministro e faz perguntas sobre a reforma. Pede ainda o
endereço do imóvel do ministro, dado que lhe foi fornecido no dia 4 de agosto.
Dallagnol – 22:09:59 – Pelella, queria refletir em dados
de inteligência para eventualmente alimentar Vcs. Sei que o competente é o PGR
rs, mas talvez possa contribuir com Vcs com alguma informação, acessando umas
fontes. Vc conseguiria por favor descobrir o endereço do apto do Toffoli que
foi reformado?
Pellela – 23:16:05 – Foi casa
Pellela – 23:16:09 – Consigo sim
Pellela – 23:16:15 – Amanhã de manhã
Dallagnol – 23:21:39 – ótimo, obrigado!
E de onde vinha a conversa de que a tal reforma era um mimo
da OAS ao ministro? Léo Pinheiro havia, de fato, dito a seus advogados que dera
dicas a Toffoli sobre a reforma e lhe sugerira uma empresa, mas que nada havia
acontecido além disso.
Em agosto de 2016, reportagem de capa da revista Veja
tratava da reforma em tom acusatório, embora os advogados não tivessem
apresentado relato nenhum sobre o assunto e não houvesse indício de
irregularidade. O boato havia vazado. Quem se atreve a especular sobre o
responsável? A PGR mandou suspender a delação do empresário. Dallagnol não
gostou e afirmou: "Qdo chega no judiciário, eles se fecham".
Pouco depois da publicação da reportagem, o ministro Gilmar
Mendes criticou duramente a Lava Jato. Afirmou:
"Eu acho que a investigação tem que ser em relação logo aos
investigadores porque esses vazamentos têm sido muito comuns. É uma prática
bastante constante e eu acho que é um caso típico de abuso de autoridade, e
isso precisa ser examinado com toda cautela".
NÃO SE CONFORMOU
Não pensem que Dallagnol se conformou. O rapazola resolveu, então, investigar
não um, mas dois ministros: Mendes também virou alvo. Numa conversa com o
procurador Orlando Martello, no dia 16 de agosto, ele afirma e pergunta: "Tem
uma conversa de que haveria recebimentos cruzados pelas esposas do Toffoli e
Gilmar. Tem mta especulação. Temos a prova disso na nossa base? Vc teve contato
com isso?". Ele se referia, respectivamente, às advogadas Roberta
Maria Rangel e Guiomar Mendes. Antes, Martello especulara sobre a possibilidade
de haver pagamentos da OAS para o escritório de Roberta.
Nota antes que continue: inexistem os pagamentos da OAS ao
escritório de Roberta ou evidência dos tais pagamentos cruzados entre as
respectivas mulheres. Havia, sim, pagamentos por serviços prestados, feitos
pela empreiteira Queiroz Galvão, ao escritório de Roberta entre 2007 e 2011,
totalizando R$ 300 mil. Escrevi a respeito no dia 14 de setembro de
2016, destacando que nada havia de irregular. Segue o diálogo entre Dallagnol e
Martello, travado no dia 16 de agosto de 2016:
Orlando Martello – 09:10:04 – Esposa
do Toffoli; não do gilmar. Sim, prestação de serviços do escritório de
advocacia dela para, acho, OAS. Só estou em dúvida se foi para a OAS ou outra
empreiteira, mas quase certeza de que foi para a oas. Fatos de 2009 ou 2010.
Não me recordo bem. Jonathas pode fazer esta pesquisa.
Deltan Dallagnol – 10:02:15 – Tem uma conversa de que haveria
recebimentos cruzados pelas esposas do Toffoli e Gilmar. Tem mta especulação.
Temos a prova disso na nossa base? Vc teve contato com isso?
Dallagnol – 10:02:25 – Aí é diferente rs
Martello – 12:20:46 – Não. Não tenho nada sobre isso.
Martello – 12:21:23 – achei o que me mandaram.
Martello – 12:21:30 – Achei uma procuração do toffoli e da mulher
dele, representando Queiroz Galvão no tcu… Então eles podem ter recebido
pagamentos em 2009, ano que tem quebra fiscal por aí. Nós vamos tratar isso com
toda a gravidade que merece. ele tinha que ter se declarado impedido… Não pode
ajudar só a achar esses pagamentos?? Com certeza tem algum pagamento em 2009
pela Queiroz Possíveis favorecidos: TOFFOLI E TELESCA ADVOGADOS ASSOCIADOS S C
CNPJ SUPRIMIDO TOFFOLI RAVANELLI E MASSULA ADVOGADOS ASSOCIADOS ME CNPJ
SUPRIMIDO JOSE ANTONIO DIAS TOFFOLI CPF SUPRIMIDO ROBERTA MARIA RANGEL CPF
SUPRIMIDO RANGEL ADVOCACIA CNPJ SUPRIMIDO
Martello – 12:22:10 – É sobre a queiroz galvão e não sobre a oas
Dallagnol – 13:53:13 – [TRÊS MÃOZINHAS COM SINAL DE POSITIVO]
Martello – 14:50:43 – Mas olha que não pedi pesquisa em relação a
OAS!!!
ESTADO POLICIAL
No dia 21 de agosto de 2016, no grupo "FT MPF Curitiba 3", o
procurador Martello afirma sobre os inexistentes pagamentos da OAS ao
escritório da mulher de Toffoli:
"A respeito do Toffoli, peçam pesquisa para a Spea [Secretaria de
Pesquisa e Análise, órgão da PGR] de pagamentos da OAS para o escritório da
esposa do rapaz [Toffoli] q terão mais alguns assuntos para a veja. Não é nada
relevante, mas acho q da uns 500 mil".
E Dallagnol responde então:
"A RF [Receita Federal] está olhando. Mas
disso eu não sabia".
Vale dizer: sem autorização judicial, a Receita quebrava
sigilos fiscais sob o comando de Dallagnol. Para lembrar: as mulheres de
Toffoli e Mendes foram mesmo alvos do órgão. Em fevereiro deste ano, o Estadão
informou que elas fizeram parte de um grupo de 134 contribuintes investigados
por uma equipe especial criada pelo Fisco em 2017.
O objetivo evidente, como se nota, era emparedar dois
ministros do Supremo que Dallagnol via como adversários dos altos desígnios da
Lava Jato. A ação criminosa, por óbvio, tinha como alvo o próprio tribunal. Já
sabemos como esse rapaz fez fama e fortuna com a notoriedade que ganhou. É bom
de lábia, já escrevi aqui. Os que não consegue seduzir — como Luiz Fux, Edson
Fachin ou Roberto Barroso —, ele submete a seu estado policial paralelo.
Ou Dallagnol e seus acólitos deixam a Lava Jato como
providência inicial para o resgate da moralidade na força-tarefa, ou não poderá
agir também com poderes de polícia quem se tornou um caso de polícia.
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