Luis Felipe Miguel
A hipótese BCG, em estudo, diz que países que têm vacinação obrigatória sofrem menos com o coronavírus. De fato, a mortalidade tem se mostrado maior onde a BCG não é obrigatória, como Estados Unidos, Itália e Espanha, em comparação com onde é - China ou Japão. E também Brasil.
Segundo uma hipótese, a BCG "treinaria" o organismo para lutar contra outras doenças respiratórias, aumentando a chance de que a infecção pelo coronavírus seja menos grave.
A internet me diz que a BCG é a vacina que tem a melhor cobertura no Brasil - cerca de 96% das pessoas são imunizadas na infância. Torço fortemente para que essa proteção seja real e contribua para minimizar a tragédia por aqui.
Escrevi "minimizar", não evitar. A tragédia não tem como ser evitada, porque já está aí.
Os números de ontem falam em 2.171 mortos. Certamente são muitos mais, dada a subnotificação e o atraso na testagem. E muitos outros já estão com o destino selado. Mas fiquemos nesses 2.171.
Pode parecer pouco, num país de 210 milhões de habitantes, mas não é. Não são quatro algarismos enfileirados. São 2.171 pessoas. Seres humanos com histórias de vida, com projetos de vida, com redes de afetos. Como disse uma médica cujo nome infelizmente não registrei, "se sua mãe morreu, a mortalidade foi de 100%".
Enquanto isso, os empresários locais falam na morte de 5 ou 7 mil pessoas como se fosse uma insignificância. Nos Estados Unidos, onde esse número está morrendo a cada dia, mascarados portando armas semiautomáticas fazem manifestação contra o confinamento.
O novo ministro da Saúde se orgulha de monetizar o valor de cada vida, para calcular se vale ou não a pena "investir" em salvá-la. Ontem, na posse dele, Bolsonaro defendeu a reabertura do comércio e falou: "É um risco que eu corro, porque, se agravar, vem para o meu colo".
Como assim? São as vidas das outras pessoas que estão sob ameaça. Não é um técnico de futebol propondo uma tática ousada em campo e dizendo que assume a responsabilidade se der errado. São vidas, vidas humanas. Cada uma delas tem um valor em si, que transcende, e muito, o futuro político do sujeito que infelizmente ocupa a presidência da República.
Um traço comum desta nova extrema-direita desabusada, que combina com orgulho obscurantismo e idolatria do mercado, é essa indiferença ostensiva pelo valor da vida humana. Não surgiu com a pandemia: apenas se tornou mais saliente agora.
Eu ficava chocado quando lia que, na guerra civil espanhola, o lema das tropas falangistas era "viva la muerte". Pois agora este é o emblema do governo do meu país.
Torço para que a BCG de fato nos dê alguma proteção. Torço para que surja algum remédio o quanto antes.
Mas se, por um golpe de sorte, a tragédia no Brasil for menor do que promete ser, isso não desculpa em absolutamente nada Bolsonaro e sua tropa, que tudo fazem para piorar a crise em vez de minorá-la. E o que é pior: não por obtusidade ou negligência, mas por puro e simples desprezo pela vida humana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário