segunda-feira, 6 de abril de 2020

Começou a quarentena de Bolsonaro


Celso Rocha de Barros

Passei a última semana com febre, em geral baixa. Nada de assustador, não sei se é Covid-19, talvez não seja, não tem teste para fazer.

Já estou melhor, estou contando isso só para explicar uma história engraçada: no pior dia, fiquei tão doidão de febre que achei que tinha visto Bolsonaro fazendo um pronunciamento moderado e pragmático. Ali eu vi que era hora de tomar um antitérmico e ir dormir.

E, de fato, dois dias depois, o presidente da República dobrou a aposta no crime de responsabilidade. Em um programa de rádio, enquanto Augusto Nunes o massageava, Bolsonaro atacou abertamente seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Disse que falta humildade ao ministro e que ele pode ser demitido a qualquer momento.

Segundo o Datafolha, Mandetta tem o dobro da aprovação popular de Bolsonaro.

A boa notícia é que a nova ofensiva de Bolsonaro é uma reação desesperada. A estratégia de colocar em quarentena a família Bolsonaro e os olavistas começou a funcionar.

Mandetta reassumiu a postura de independência. Voltou a recomendar enfaticamente que todos fiquem em casa e pediu que a população siga as orientações de seus governadores (isto é, não as da Presidência).

Já é público que o Ministério da Saúde atuará na crise ignorando o que diz o presidente da República, para sorte do Brasil. E se Mandetta sentiu que podia ser independente, é porque o clima em Brasília não é favorável a Bolsonaro.

A quarentena do presidente já era evidente na postura de militares e membros da equipe econômica, que já trabalham mais com o Congresso do que com o Planalto.

Mas foi oficialmente decretada em um post no Instagram (pois é) de Rosângela Moro, esposa do ministro da Justiça. Publicado no dia do ataque de Bolsonaro ao ministro, o texto defendia a ciência contra os “achismos” e concluía: “In Mandetta we trust”.

Sempre houve a suspeita de que Moro transmite mensagens através da conta da esposa como forma de não se comprometer.

O post foi apagado, mas foi reproduzido em todos os jornais, como a autora e seu marido certamente sabiam que seria. Moro nunca havia esboçado qualquer crítica pública a seu chefe.

Bolsonaro está isolado, mas ainda não caiu. Ainda vem causando grande estrago com seu discurso contra o isolamento.

Ainda articula contra os governadores e costura apoio na facção canalha do empresariado. Sua aprovação é declinante, mas ainda gira em torno de 30%.

Ele ainda tem poder para sabotar Mandetta e os governadores e certamente continuará tentando.

Vale perguntar também o que seria um governo Bolsonaro depois disso tudo, se for permitido ao presidente sair da quarentena.

Ninguém nunca vai esquecer o que ele fez durante a crise nem ele vai esquecer que ministros o isolaram. Bolsonaro é excepcionalmente paranoico e vingativo. Que nova radicalização ele tentará se sobreviver à crise? O que os militares pretendem fazer com ele de agora em diante?

O cenário é de um governo que está caindo, mas é sustentado pelos militares e pela própria inconveniência de derrubá-lo durante a pandemia.

O cenário é inédito, e as previsões são arriscadas. Mas se Bolsonaro continuar apostando que nunca será derrubado, uma hora ele perde.

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