segunda-feira, 6 de abril de 2020

Discurso de guerra ao vírus é tentativa de Trump esconder erros

EUA vão à batalha sem armas; Bolsonaro comete crime de novo

Kennedy Alencar
Washington

O discurso de guerra contra o coronavírus do presidente Donald Trump é tentativa de esconder os erros de ter minimizado a covid-19 por mais de dois meses, apesar dos avisos internos da gravidade da doença e da falta de preparo do país para enfrentá-la. Se há uma guerra, os EUA estão indo para as batalhas sem armas em número suficiente.

Faltam aparelhos de respiração assistida, máscaras e luvas. Faltam equipes médicas para dar conta da demanda. Trump perdeu tempo na fase em que comparava o covid-19 à gripe comum. Há oitenta dias já recebera alertas do perigo, mas os desprezou.

No fim de semana, o cirurgião-geral do governo e espécie de ministro da Saúde, Jerome Adams, deu eco à comparação entre o coronavírus e a guerra. Disse que esta semana será o momento Pearl Harbour dos EUA. Em dezembro de 1941, o Japão atacou Pearl Harbour, base naval americana no Havaí, matando 2.403. Foi o evento que desencadeou a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Adams também invocou o 11 de Setembro, atentados ocorridos em 2001 contra as Torres Gêmeas de Nova York e o Pentágono que mataram 2.996 pessoas.

O alerta de Adams é forma de dar a real ao país, mas também faz a comparação com a guerra para servir aos projetos políticos de Trump. O próprio Jerome Adams foi uma das autoridades a subestimar a gravidade do coronavírus.

As estimativas mais otimistas mostram que deverão morrer americanos em número similar às baixas em Pearl Harbour, 11 de Setembro e nas guerras da Coreia, Vietnã e Afeganistão. Somadas as mortes nesses eventos, o número gira em torno de 106 mil. Por ora, há mais baixas do que a soma de Pearl Harbour, 11 de Setembro e guerra do Afeganistão.

A estimativa do governo prevê entre 100 mil e 240 mil mortes por covid-19 se o plano de mitigação funcionar bem. No entanto, 8 dos 50 Estados americanos não deram ordem para que as pessoas fiquem em casa. Todos republicanos, os governadores do Arkansas, Iowa, Carolina do Sul, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Nebraska, Utah e Wyoming resistem à quarentena.

O fato é que os EUA não estão preparados para enfrentar a covid-19, apesar de o presidente ter escrito no Twitter hoje que o país está forte e pronto para tal combate. Ontem, o presidente americano falou em luz no fim do túnel, o que é uma inverdade.

Há tratamentos em teste. Falta cura terapêutica comprovadamente eficaz para lidar com a covid-19. A vacina ainda está longe de ser descoberta.

Ontem, por exemplo, Trump impediu que o imunologista Anthony Fauci, principal voz da força-tarefa da Casa Branca, respondesse a uma pergunta sobre a eficácia da hidroxicloroquina, remédio usado contra a malária. O presidente americano simplesmente impediu a fala de Fauci, que já disse que não há evidência de funcionamento do remédio, mas testes.

Trump indagou aos repórteres: “O que temos a perder [ao usar a hidroxicloroquina]?”. Médicos respondem: a vida. O próprio Trump diz uma coisa e se contradiz no minuto seguinte. Não tem compromisso com a verdade. Está preocupado em minimizar os danos políticos num ano eleitoral. Daí a manjada retórica de guerra, que sempre busca a união do país em torno do líder de plantão. Acontece que Trump se revela, na crise, um líder sem estatura para o desafio.

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Bolsonaro e Trump

A forma como Trump induz as pessoas a usar um remédio sem eficácia comprovada só encontra irresponsabilidade semelhante no comportamento do presidente Jair Bolsonaro. No Brasil, um empresário bolsonarista produz a substância para o remédio. Nos EUA, Rudolph Giuliani, advogado de Trump, tem feito lobby pela hidroxicloroquina.

É atitude baixa e antiética defender com tanta ênfase um medicamento sem eficácia atestada pelas autoridades de vigilância sanitária. Também é uma aposta política, sem contar eventuais interesses econômicos sombrios. Caso a droga funcione e seja autorizada para pacientes de covid-19, Trump e Bolsonaro vão se vender como visionários que não são. Ambos são presidentes que ampliaram a tragédia em seus países porque incapazes, mentirosos, manipuladores e contraditórios.

O egoísmo geopolítico de Trump, que impede exportação de equipamentos médicos para outros países, ficará marcado na História. Ela faz mal ao país e ao mundo. No caso de Bolsonaro, o bocoite à quarentena o torna um genocida. Em vídeo divulgado ontem, Bolsonaro manipulou a boa-fé das pessoas, mentiu sobre suposta tentativa de golpe e usou o nome de Deus em vão.

Ao ameaçar utilizar a caneta presidencial para demitir o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, Bolsonaro cometeu mais um crime de responsabilidade. Fez novo ataque à saúde pública no Brasil, sugerindo que demitirá o ministro por discordar de suas diretrizes sanitárias e também movido por evidente ciúme político.

O Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal) também têm canetas. O Brasil ainda possui uma Constituição. Um presidente criminoso tem de ser punido na forma da lei. Sua narrativa genocida na atual crise matará mais gente.

A irresponsabilidade de Bolsonaro desorienta a população. Em Minas Gerais, há relatos de prefeitos que desejam o fim da quarentena e a volta de atividades econômicas, como o retorno ao trabalho de empresas de confecção.

Romeu Zema, governador de Minas, não entendeu que a saúde pública é a prioridade no momento. Medíocre e inculto, Zema é uma espécie de Bolsonaro do Partido Novo.

Pessoas também acreditam na narrativa de Bolsonaro e bananinhas de que a imprensa exagera ao noticiar a covid-19 para derrubá-los do poder. Isso é mais uma mentira dita pelo presidente e os filhos políticos.

Além da teoria conspiratória bolsonarista, merece menção mais uma imbecilidade do ministro da Educação, Abraham Weintraub. Não satisfeito em destruir a educação no Brasil, ele se dedica a dinamitar a relação com a China, a nossa maior parceira comercial. É a tradicional mistura de ignorância com irresponsabilidade que marca o desgoverno Bolsonaro.

Ouça o comentário feito no “CBN Brasil”:

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