Alceu Castilho
Estava vendo um vídeo de um cara tocando Led Zeppelin para umas dezenas de bois e vacas. Violão. Ele tocou seis músicas. Quando veio a quarta, "Stairway to Heaven", o gado se aproximou. Um deles (com gosto muito parecido com o meu) ficou encantado com "Over the Hills and Far Away".
Precisei ver isso para entender o quanto a imagem de gado para os fascistas que apoiam Jair Bolsonaro não é exatamente precisa. Somente nesse vídeo (em outros eles apreciam jazz ou música erudita) eles demonstram uma sensibilidade superior à da multidão genocida.
Problematizar o "Fora, gado!" significa que talvez devamos utilizar outras categorias (históricas, sociológicas, mas também outras metáforas) para questionar religiosos que fazem gestos de arminhas ou portadores de carrões que defendem, com máscaras, a volta dos pobres ao trabalho.
Bolsonaro não é um cavalo. É um bípede sem pluma (como diria Julio Cortázar) e sem compaixão, incapaz de entender uma pandemia ou se solidarizar com outras pessoas. É um fruto da glorificação do individualismo, do oportunismo e do arrivismo. Um inescrupuloso conveniente — às elites.
Uma espécie de mercenário, portanto. Com suas máscaras de mentiroso compulsivo, de palhaço infame e de propositor de violências, suficientemente caricato para reunir em torno de si (em torno dos interesses cínicos do capital) outros bípedes igualmente violentos ou tolerantes à violência.
Mais invejosos que ingênuos, esses que a gente simplifica chamando de "gado" estão do outro lado da cerca, são os que apostam num político sem caráter da mesma forma que jogam na loteria. Em nome da exclusão, da chance remota de que, um dia, também se tornem uns achacadores.
Uns chantagistas, uns manipuladores, aqueles que vão fazer de conta que se deram tão bem quanto o punhadinho de bilionários, os verdadeiros donos do cassino. Meta de vida: chegar lá (não em Brasília, mas no centrinho local de um poderzinho qualquer) e, como Bolsonaro, humilhar alguém.
Nada de "gado". Parasitismo, talvez, mas um parasitismo muito peculiar, já que disposto a proclamar inimigos para disfarçar a própria condição predadora. Inimigos diversos, mas necessariamente, entre eles, aqueles que preferem outros valores: o bem comum, a solidariedade.
Os apoiadores do genocida não entendem as letras do Roger Waters e não compreenderiam uma entrevista do Ailton Krenak. Não por problemas cognitivos, mas éticos. Eles são aqueles que se sentem ricos com a miséria alheia, os que não se importam com a morte e com os açoites.
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