sábado, 4 de abril de 2020

Não há boas notícias falsas


José Eduardo Agualusa

Sou cético por natureza e treinamento. Contudo, fui um dos muitos trouxas que acreditou na falsa notícia, largamente difundida pelas redes sociais, segundo a qual os canais de Veneza estariam hoje tão limpos que os golfinhos haviam regressado, juntamente com bandos de cisnes e brilhantes cardumes de peixes.

Também acreditei na alegre pitonisa espanhola, que, em dezembro do ano passado, teria previsto a pandemia em curso. Uma rápida investigação logo confirmou que também esta é uma notícia falsa. O fato é que nenhum astrólogo foi capaz de adivinhar a tragédia em que o mundo está mergulhado. Os melhores profetas foram, afinal, os cientistas, que há vários anos vinham advertindo para a possibilidade de um evento desta natureza.

Anseio por boas notícias, como um menino, fechado em casa, anseia pelo sol lá fora. Tento ver o lado bom de tudo o que é mau. Gosto de pensar, inclusive, que há em todas as pessoas ruins uma parte que se esforça por ser boa. Infelizmente, isso nem sempre acontece. Existem acontecimentos absolutamente maus, da mesma forma que existem pessoas integralmente perversas, os famosos canalhas esféricos: por qualquer ângulo que os olhemos são de uma maldade honesta e consistente. Jair Bolsonaro é uma dessas pessoas — um homem fiel a cada um dos seus defeitos.

Lúcifer, como o próprio nome denuncia, tem contra si um passado de luz: desgraçadamente já foi um anjo, já foi bom. Aquele santo passado arruina-lhe a má reputação, duramente construída ao longo dos vastos milênios, nas profundezas do Inferno. Jair Bolsonaro, pelo contrário, foi sempre mau, nunca ninguém lhe ouviu uma palavra inteligente, o brilho de uma frase decentemente construída, um elogio sincero a um homem bom, um arrependimento genuíno por uma falha qualquer. Nenhuma qualidade — uma única! — mancha o íntegro negrume daquela sólida alma de atleta do mal. Lúcifer morre de inveja dele.

Confinados à inquietação do presente, queremos notícias que nos confortem — ainda que falsas. Os autores dessas notícias são como aquelas mães que iludem os filhos durante os bombardeamentos: “É só fogo de artifício, filhinho. Você pode dormir descansado.”

Ou talvez não.

O que move estes falsários de um apocalipse feliz? Será que, como os vulgares escritores, os cineastas, os dramaturgos, desejam apenas contar uma história tão boa que, embora inacreditável, as pessoas acreditem nela?

Não me parece. O mais provável é que quem cria estas notícias supostamente positivas, sejam exatamente os mesmos grupos responsáveis por todas as restantes notícias falsas que inundam as redes sociais. Não há boas notícias falsas. O que há é desinformação, ou, dito de uma outra forma, terrorismo informativo. O que estes grupos pretendem é implodir a realidade, para depois surgirem, em meio ao caos, como cavaleiros da ordem e do progresso.

A imprensa tradicional ocupa a linha da frente no combate contra esta nova forma de terrorismo. Ler jornais, comprar jornais, transformou-se numa urgente forma de resistência contra a estupidez e o totalitarismo. Não, não gosto que me mintam.

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