Alceu Castilho
A semana começa sob o signo mórbido dos bolsominions na Paulista a carregar alegremente um caixão, ao som (ironicamente, do macro ao micro) de "Astronomia 2k19". A música eletrônica do italiano Stefano Folegatti, o Stephan F, embalou os memes sobre enterros em Gana, adaptados aos tempos de coronavírus. E lá foi embalar o pesadelo de outono na avenida que simboliza São Paulo.
Os fanáticos, em sua maioria homens, metade com camisetas verdes e amarelas ou bandeiras do Brasil, carregam pelo asfalto o simulacro de caixão e dançam. Orgulhosíssimos. Chamou-me a atenção a imagem de um barbinha que, salvo engano, discursa violentamente em outro vídeo, a negar a existência da Covid-19. (Ao seu lado, aparece brevemente uma estúpida com máscara sob a boca.)
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Muita gente já falou sobre a pulsão de morte embutida nos supostos negacionistas, esses falsos céticos. Supostos porque, a esta altura, é difícil imaginar alguém que, no fundinho de suas almas, creia realmente na inexistência do vírus. Eles negam discursivamente, ao mesmo tempo que desejam — conscientemente ou não — sua proliferação. Questão: apenas por psicopatia?
Talvez devamos começar a pensar na vertente histriônica do bolsonarismo, em meio aos portadores de outros transtornos de personalidade e em diálogo com os delírios. (Não, eu não os considero inimputáveis.) Qual a diferença entre essa dança do caixão e aquelas coreografias feitas durante a campanha do miliciano, com músicas ruins (a de Stephan F é contagiante) e coreografias chinfrins?
A identificação com Jair Bolsonaro não se dá apenas pela afinidade com o que sai de sua boca, mas também pela pantomina, por sua capacidade de replicar gestos um tanto hipnóticos (uma arminha não apenas como arminha), sem o antigo pudor dos intimidados. Mais ou menos como uma revolução dos rejeitados, aqueles que não sabiam dançar e agora podem exibir seus passinhos em palco fúnebre.
O espaço obtido por essa escória decorre exatamente dessa afinidade muito excepcional com o que está no limite ou além do limite, com a overdose, paradoxalmente defendida em nome da ordem e do progresso e dos homens de bem. Mais ou menos como se eles tivessem tido um insight em meio aos próprios transtornos: eles entenderam a pulsão de morte embutida no sistema em que vivemos e a repetem, exatamente como farsa.
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Novamente Federico Fellini foi o intelectual quem sacou tudo isso muito antes de nós, ao retratar implacavelmente o fascismo. Estava tudo lá, vejam "Amarcord", o ridículo, a celebração do patético, a implosão estética, atirava-se em um campanário para interromper o hino comunista. A bufonice do Duce compunha essa estética ao mesmo tempo cafona e propagadora da violência. O culto à violência como uma espécie de nicho psicológico de mercado.
Esses senhores e senhoras medíocres entenderam mal as sessões da tarde sobre revoltas dos nerds (os nerds tinham inúmeras qualidades, como sabemos) e se apresentam hoje como orgulhosos da própria degradação. Quanto mais nos chocarmos com essas manifestações — com esse histrionismo macabro — mais eles gozarão. Foi o que lhes restou: a defesa de uma família Addams sem glamour, reduzida à condição de lúmpen inglório.
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Para combater essa gente de nada adianta dar nome a cada cafajeste menor, expor o último mentecapto no primeiro poste de cloroquina. Eles têm um líder, um líder a gargalhar disso tudo, o presidente mezzo sociopata e mezzo imbecil que conseguiu (pela soma peculiar de deméritos) catalisar toda essa tristeza, esse vazio e suas expressões decrépitas. É Bolsonaro que precisamos derrubar, com urgência, em nome da vida. Os órfãos em êxtase voltarão para a sala de jantar.
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