Luis Felipe Miguel
Não sei o que é pior: se a participação ativa de Rubem Fonseca na preparação do golpe de 1964, como dirigente do IPÊS, ou se sua insistência em esconder e negar essa participação, contra todas as evidências, desde que a fortuita censura a Feliz ano novo, em 1975, tornou mais interessante a ele aparecer como transgressor e antiautoritário.
Mas posso garantir que essa antipatia não contaminou minha apreciação da literatura de Rubem Fonseca.
Afinal, continuo achando Mario Vargas Llosa o maior escritor vivo, embora a única maneira de descrevê-lo seja como um liberal conservador intelectualmente desonesto.
No caso de Rubem Fonseca, eu não gosto dos livros pelo que são. Acho que o mérito dele, nos primeiros livros, foi trazer para o português algo da linguagem e da ambientação da contística estadunidense do imediato pós-guerras. Contribuiu para um arejamento da nossa literatura, uma abertura para novas influências. Mas os originais superam, e muito, a transplantação que Fonseca fez.
Talvez sem a influência de Rubem Fonseca não tivesse ocorrido o boom do conto brasileiro, que data da metade dos anos 1960 e vai até a década de 1980 e nos legou escritores tão grandes quanto - para citar só um exemplo - Sérgio Sant'Anna. Talvez. Mas é mérito de precursor, não de criador.
A obra dele me parece excessivamente artificial, voltada para a obtenção de efeitos fáceis e, sobretudo, incapaz de tensionar o olhar preconceituoso da classe média ou média-alta brasileira sobre o povo. O que ele nos apresenta é um mostruário da demofobia da classe média - seus preconceitos, seus medos, suas repulsas - sem um pingo de sentido crítico. (Sobre isso, aliás, ver o excelente artigo de Regina Dalcastagnè, "Uma voz ao sol: representação e legitimidade na narrativa brasileira contemporânea", cujo link deixo no primeiro comentário.)
Não tenho nenhum motivo para comemorar a morte de Rubem Fonseca, um ancião que, até onde posso saber, não fazia mal a ninguém. Mas confesso que ficava feliz de saber que ele era possesso com o fato de que o grande escritor chileno Roberto Bolaño o incluiu em seu romance-catálogo La literatura nazi en América.
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