segunda-feira, 18 de maio de 2020

O Brasil deve o impeachment de Bolsonaro aos mortos pela Covid-19

 
Dores dos que perderam seus familiares sob o deboche do presidente podem ter força para impulsionar sua queda
Luiz Fernando Vianna

No sábado 16, o Brasil atingiu 233.142 casos confirmados de infecções pelo coronavírus. Assumiu a quarta colocação no ranking mundial. As previsões apontam que o país chegará a junho em segundo lugar. Ultrapassará Reino Unido e Rússia, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. 

Descontada a subnotificação, mais de 15 mil brasileiros já sucumbiram à Covid-19. No sábado anterior, eram 10 mil. Apenas em uma semana, crescimento de 50%. Dezenas de milhares de parentes e amigos choram esses mortos, dos quais nem puderam se despedir dignamente – velórios vetados, caixões fechados, cremações e sepultamentos às pressas.

Jair Bolsonaro não é culpado por todas essas mortes. O cenário nacional era, de antemão, propenso a números altos: mais de 200 milhões de habitantes, desigualdade social obscena, sistema público de saúde saqueado há décadas.

O presidente é culpado por não ter se esforçado para impedir tantas mortes. Muito pelo contrário: militou contra as medidas de isolamento social, adotadas, com maior ou menor intensidade, por quase todas as nações. Restou ao Brasil a companhia de Nicarágua (aliada improvável, pois uma ditadura de esquerda), Belarus e Turcomenistão. 

Ao saber do número crescente de cidadãos abatidos pelo vírus, gente por quem deveria zelar, perguntou/respondeu: “E daí?”. Provocou aglomerações, lambuzou mãos com suas secreções nasais, exortou dia após dia as pessoas a encher as ruas e, logo, superlotar os hospitais. 

O uso dos verbos no passado é um ato falho. Esse pesadelo já deveria ter acabado – não, infelizmente, o da pandemia, que perdurará até o surgimento de uma vacina. Mas o de sermos presididos por um genocida. 

Devemos o impeachment de Bolsonaro aos que morreram sob o seu deboche. No lugar de palavras de conforto, ele oferece risos, silêncios e desprezo. O fim de seu governo anti-humano é o desagravo que podemos fazer aos seres humanos que tiveram (e continuam tendo) suas vidas destroçadas pela ausência daqueles a quem amavam (e continuam amando).  

Como demonstrou na reunião de 22 de abril, quando anunciou que interferiria na Polícia Federal, Bolsonaro só preza seus filhos e seus amigos. Uma gente que precisa ser protegida da polícia. Na mesma reunião, afirmou: “Não estamos aqui para brincadeira”. Indiscutível verdade. 

As correntes formais da oposição, como os partidos políticos, estão avoadas, omissas, pusilânimes. Há, em todas as siglas, pessoas conscientes de que é necessária uma união ativa, que vá muito além dos tuites de repúdio. E têm trabalhado por isso. Mas os líderes permanecem imoralmente encastelados, parecendo torcer para que o governo se dissolva sozinho. Embora bem intencionadas, palavras de ordem como “fora, Bolsonaro!” e (risos) “renuncie já!” não levarão a lugar algum, a não ser ao próprio constrangimento. 

Se tiverem forças, os familiares das vítimas da Covid-19 deveriam propor o impeachment. Ninguém sabe mais do que eles o que é ter um presidente semeador da morte. Os que se engajarem na tarefa serão perseguidos pelo gabinete do ódio, a milícia de Carlos Bolsonaro que, com salários pagos pela população, age com mentiras e crueldade para destruir essa população.  

Os familiares precisam ser apoiados por muita gente, e muito mais gente, e tanto mais gente quanto for necessária para que um processo chegue ao Congresso com chances de vitória. Comprometidos com o Centrão – a “velha política” que já saboreia os nacos do Orçamento cedidos pelo capitão da “nova política” (quantos ainda acreditam nisso?!) –, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado não vão se mexer para retirar Bolsonaro de onde está.  

O que se aventa aqui é utópico? Mas o que é ser realista neste momento? Impedidos de fazer passeatas e outras manifestações públicas, é melhor invertermos aquela profecia e reconhecermos que a revolução não vai passar na TV. A bolorenta “sociedade civil organizada” não resolverá. Das dores dos que perderam seus filhos e pais é preciso partir para uma indignação prática, por caminhos políticos e judiciais. Os mortos merecem isso. Merecem que a fábrica de destruição do Palácio do Planalto seja desativada.

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