sábado, 22 de agosto de 2020

Não é mais possível voltar às bases

Vinícius Carvalho

Eu respeito muito, entendo o que a rapaziada quer dizer, mas tenho verdadeiro calafrio quando dizem que a esquerda precisa "voltar às bases" nas periferias. E isso por si só já é um pressuposto errado e que nos induz ao erro. Por quê?

- Se você precisa "voltar às bases" isso quer dizer que você saiu de lá, se você saiu de lá, muito provavelmente o saiu por ascensão social. É o nosso papel "voltar às bases" em tom professoral como "colonizadores", levando a "iluminação" aos "subdesenvolvidos" que ficaram?

- Base é base, jamais deixa de ser. Se você se deslocou de uma base, então você já está fazendo parte de outra.

- As "bases sociais" do Brasil hoje são infinitamente diferentes das bases sociais do Brasil dos anos 80, da redemocratização, dos anos 90 com aqueles sindicatos organizados, uma época de esperança pós-ditadura com as campanhas de Betinho contra a fome, com as CEB's, os Conselhos Eclesiais de Base ainda fortalecidos e etc. Sem contar que hoje em dia, é importante se ligar para novas formas de militância social.

- Com o advento da tecnologia o mundo mudou radicalmente. Bem como os discursos antissindicais e contrários à qualquer forma de associativismo. 

- O encrustamento do tráfico de drogas e crimes organizados nas periferias bem como o aprofundamento e crescimento das religiões neopentecostais fazem um tipo de diálogo diferente com a sociedade.

"Ahh mas os evangélicos fazem o trabalho que a esquerda não faz".

É lógico, um pastor GANHA para passar o dia fazendo politica na sua comunidade, é o trabalho DELE. Sem contar que o pastor muitas vezes é o testa de ferro e a lavanderia do tráfico.

O pastor não é um operário ou um estivador do Porto que sai do trabalho às 18:00, chega em cada às 21:00 e vai fazer um culto. Ele já vive lá e é remunerado para isso. Ser pastor é profissão bem remunerada para os parâmetros periféricos e ainda é sinônimo de status e poder.

Esse papel quem conseguia cumprir bem eram as Conselhos Eclesiais de Base católicos sob influência da Teologia da Libertação. Só que os padres faziam isso de graça e por opção própria. Hoje uma boa parte das congregações de subúrbio são ligadas à Renovação Carismática, ou seja: quase tão reacionárias quanto os pastores da Teoria da Prosperidade.

E vamos supor que um operário hiper de esquerda queira fazer um diálogo semanal sobre politica no conselho comunitário do seu bairro:

1 - a probabilidade de que 99,9% dos moradores prefiram ficar no boteco mexendo com "novinha" na rua, jogando baralho, em casa relaxando ou no culto é imensa.

2 - a probabilidade de que as pessoas simplesmente se considerem conscientemente conservadoras também é alta.

3 - se por algum motivo você conseguir ter sucesso em conscientizar a comunidade inteira e à levar ao campo político da esquerda e da desconstrução, o tráfico ou a milícia te jogam no microondas.

O que eu acredito?

1- Que a conscientização da nova base real virá da própria comunidade, dos novos movimentos negros, jovens, feministas e LGBTs das periferias.

2- A única forma da gente vencer essa parada e conscientizar em massa é disputando a hegemonia cultural da sociedade.

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