Celso Rocha de Barros
O presidente derrubou um governador?
É curioso que tanta gente no mundo da Justiça esteja tomando decisões claramente ilegais
Se o governador do Rio de Janeiro tiver caído por influência do presidente da República, a deterioração institucional brasileira deu um salto grande.
A decisão de afastar Witzel monocraticamente foi ilegal. Quem quiser saber por que, consulte o texto do professor Ricardo Mafei Rabelo Queiroz, da Faculdade de Direito da USP, no site da revista Piauí. É possível que a decisão do ministro Benedito Gonçalves, do STJ, não tenha sido uma tentativa de conseguir uma vaga no Supremo.
Mas é curioso que tanta gente no mundo da Justiça esteja tomando decisões claramente ilegais —a libertação de Queiroz, o dossiê contra os antifascistas, a perseguição a Hélio Schwartsman, o afastamento de Witzel —que coincidem perfeitamente com os interesses de Jair Bolsonaro, justamente o sujeito que vai decidir quem fica com a vaga no STF.
O afastamento de Witzel não é conveniente para Bolsonaro apenas porque o governador fluminense havia se tornado rival do presidente da República. No final deste ano, seja lá quem for o governador do Rio vai escolher o novo procurador-geral do Estado.
Como já noticiou a Folha, Bolsonaro quer influir nessa escolha para que o novo nome seja sensível aos interesses de seu esquema de corrupção familiar.
A escolha terá que ser feita dentro da lista tríplice, mas nada impede que os bolsonaristas inventem um candidato até lá e trabalhem por ele.
Se a decisão do STJ for um sintoma de aparelhamento da Justiça por Bolsonaro, pense bem no tamanho do que estamos discutindo.
Volte mentalmente até o dia da promulgação da Constituição de 1988 e tente explicar para Ulysses Guimarães que, 30 anos depois, o governador do Rio será afastado por decisão de um único ministro do STJ, com forte suspeita de que a coisa toda foi uma armação para resolver uns problemas do presidente da República com a polícia.
Depois disso, peça para o Doutor Diretas tentar adivinhar se, em 2020, o documento que ele acabou de aprovar ainda está vigente.
Longe de mim botar a mão no fogo pela honestidade de Wilson Witzel. Ele foi eleito com o apoio de Jair Bolsonaro. Ao contrário da família Flordelis, a família Bolsonaro nunca precisou do Google para achar “gente da barra pesada”. No mesmo dia do afastamento de Witzel, aliás, rodou o Pastor Everaldo, velho chapa de Bolsonaro que o batizou “simbolicamente” nas águas do rio Jordão.
Foi tudo encenação: Bolsonaro continuou católico. Everaldo também teria sido um dos responsáveis pela aproximação de Bolsonaro com o liberalismo econômico, e esse batismo tampouco parece ter sido lá muito para valer.
Mas para lidar com as acusações contra Witzel já existia o processo de impeachment, este sim, claramente previsto na Constituição e já em curso no Rio de Janeiro. Qual a necessidade de uma decisão que coloca as instituições sob suspeita?
É muito grave, mas, ao que parece, ninguém se importa. Pelo contrário, parte do mundo político vem tentando se reaproximar de Bolsonaro.
O exemplo de Witzel deveria servir-lhes de aviso: ser adotado como aliado por Bolsonaro é como ser adotado como marido pela deputada Flordelis.
Mesmo depois das repetidas tentativas de envenenamento, o establishment brasileiro parece disposto a ir com Bolsonaro para a casa de swing.
Celso Rocha de Barros
Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra)
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