segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Na falta de golpe, Bolsonaro vai ter que trabalhar para pobre

Celso Rocha de Barros

Enquanto o golpe não voltar ao cardápio, não vai ter jeito: Bolsonaro vai ter que dar uma trabalhada pelos pobres, justo ele, que nunca gostou, nem de pobre, nem de trabalhar.

Para pensar os dilemas atuais do bolsonarismo, pode ser útil ler um ótimo livro que saiu recentemente nos Estados Unidos, “Let Them Eat Tweets”, dos cientistas políticos Jacob Hecker e Paul Pierson. O título —“Que Comam Tweets”— é uma brincadeira com o “Que comam brioches”, atribuído a Maria Antonieta.

A ideia é que, em vez de fazer concessões materiais aos pobres como a direita moderada, “populistas plutocráticos” como Donald Trump tentam satisfazer o eleitorado pobre com conservadorismo moral, racismo, homofobia e teorias da conspiração, enquanto dão aos ricos os cortes de impostos insustentáveis que eles querem.

Se isso não funcionar para sempre, há o risco de os conservadores se voltarem contra a democracia, como vem ocorrendo nos esforços para enviesar ainda mais o sistema norte-americano a favor de áreas de predomínio branco.

O interessante na comparação com o caso brasileiro é que o plano “A” de Bolsonaro já era o ataque à democracia. Os pobres que se divertissem com o conservadorismo por alguns meses, depois do golpe eles perderiam o direito ao voto e ninguém nunca mais voltaria a ouvir falar deles.

A falta de interesse de Bolsonaro pelos pobres chegava a ser chocante. É difícil achar um político brasileiro, nos últimos 15 anos, que tenha manifestado tanto desprezo pela ideia de dar dinheiro aos pobres.

Durante a campanha de 2018, por exemplo, alguém enfiou em seu programa de governo uma proposta de renda mínima. Informado pela imprensa, Bolsonaro compartilhou a notícia no Twitter com o comentário: “Meu Deus KKKKKKKKK é inacreditável”.

Carlos Bolsonaro defendeu que mulheres que recebessem o Bolsa Família deveriam ser obrigadas a fazer laqueadura. Faz pouco tempo, Bolsonaro tentou gastar recursos do Bolsa Família com publicidade oficial.

Mas, no primeiro semestre de 2020, Bolsonaro tentou o autogolpe e fracassou.

Desde então, canta “Lula Lá” e se agarra aos R$ 600 que o Congresso o obrigou a pagar aos pobres brasileiros. Bolsonaro odeia pagar os R$ 600. Não queria pagar nada, aceitou pagar R$ 200, o Congresso o obrigou a pagar R$ 600. Sua função foi só organizar a fila do auxílio na Caixa Econômica Federal, o que fez com a habitual incompetência.

Podemos apostar, nesse cenário, que o populismo plutocrático de Bolsonaro/Guedes vai dar lugar a um populismo “puro-sangue” de conservadorismo moral e intervencionismo econômico? É um cenário possível.

Afinal, o lado “liberal” do projeto bolsonarista vai muito mal. Desde que Guedes virou ministro da Economia, o Brasil privatizou o mesmo número de empresas que a Coreia do Norte.

Os novos gastos com os militares vão pesar no fiscal até alguém ter coragem de mexer com eles. Os pobres podem não saber que foi o Congresso que concedeu os R$ 600, mas os ricos sabem que foi Rodrigo Maia quem reformou a Previdência. A equipe de Guedes se desfaz diante de nossos olhos.

De qualquer jeito, o populismo plutocrático de Bolsonaro e Guedes está em crise. Se o bolsonarismo pós-Guedes der errado, podemos ter uma crise econômica terrível. Se der certo, o golpismo pode voltar a qualquer momento. O equilíbrio promete ser difícil.

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