quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Tínhamos que votar nas eleições americanas porque vão definir a nossa


Gregorio Duvivier

Bolsonaro é uma filial mal acabada de Trump, como maquete de isopor feita por uma criança, às pressas, no caminho da escola

Não sei se haveria Bolsonaro se não tivesse havido Trump. Os dois têm muito em comum: o senso de humor tosco, a síndrome de perseguição, o desprezo pela ciência, a comunicação pelo Twitter, o saudosismo difuso, os filhos empregados, o fato de nunca, em hipótese alguma, pedirem desculpas, o descaso com a Covid, os cinco filhos de três mulheres diferentes, as mulheres sucessivamente mais novas, os conflitos com a polícia, a desconfiança das urnas, a lógica desconexa, o negacionismo climático.

Nossa versão, claro, é uma espécie de filial mal acabada. Ambos ganharam popularidade no submundo da televisão, mas enquanto Trump apresentava um programa de sucesso, Bolsonaro despontou como um alívio cômico da Rede TV!, uma espécie de Louro José da Luciana Gimenez. Importamos uma imitação capenga do produto original, uma espécie de DVD pirata, cheio de bugs, de um filme que já era ruim. Bolsonaro está pra Trump como "Os Mutantes" da Record estão pro "X-Men" —uma espécie de maquete de isopor feita por uma criança, às pressas, no caminho da escola.

Tudo indica que uma vitória de Biden deixaria as coisas complicadas pra nossa maquete em 2022 —e pra todos os seus filhotes mundo afora. Nosso destino, hoje, está nas mãos do famoso eleitor indeciso do Wisconsin —esse excêntrico, que tem o mundo nas mãos, mas não sabe o que tem pra além do muro. O planeta depende da vontade que ele terá de sair de casa pra votar. Se nevar, ferrou.

Pra piorar, na "maior democracia do mundo", todos os votos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros. À vezes o menos votado ganha, numa pedalada eleitoral, prevista na Constituição. Todas as vezes em que isso rolou favoreceu um republicano. A gente tá à mercê de um sistema feito pra conservador ganhar —e ainda assim, por muita incompetência, às vezes ele consegue perder.

Isso é que dá viver numa colônia. Assistimos às eleições do país que define nossas eleições sem poder fazer nada —como um time que depende da vitória dos outros pra escapar do rebaixamento.

Achei que nunca fosse conseguir torcer pelo Biden, mas quando eu vi já tinha me apaixonado. Quando me dei conta, estava vibrando por um velhinho gago, péssimo de debate, mas que parece uma pessoa adorável, que escuta as pessoas, e a ciência, isso já significa tanta coisa hoje em dia. Aguardamos, ansiosos pela nossa maquete.

Nenhum comentário:

Postar um comentário