São muitos os episódios em que o presidente americano se recusou a condenar de forma clara o fundamentalismo cristão e o terrorismo branco
Em meio ao fútil ruído produzido no debate da passada terça-feira entre Donald Trump e Joe Biden, há uma frase que permanecerá — a do atual presidente norte-americano, quando instado a condenar a atuação de um famoso (agora muito mais famoso) bando de idiotas brancos, ou quase brancos, que a si próprios se chamam Proud Boys: “Stand back and stand by”, disse Trump. Ou seja, “Recuem e aguardem”. E logo acrescentou: “Mas alguma coisa tem de ser feita em relação aos antifas e à esquerda.”
Acompanhei na CNN o desespero dos conselheiros, marqueteiros, estrategos e assessores de Donald Trump, tentando mostrar que com aquela frase o presidente americano estava, sim, condenando os moços. Infelizmente, os próprios Proud Boys entenderam o comentário como um elogio e um incentivo. Mais: como uma ordem militar, do tipo: “Permaneçam em prontidão combativa”. Nas redes sociais, elementos destacados do bando colocaram mensagens de agradecimento a Trump, afirmando-se prontos a cumprir as instruções do chefe. Enquanto não partem para a luta, começaram a produzir e a vender camisetas com a frase de Trump. A militância racista, afinal, também pode ser um bom negócio.
Os Proud Boys, ou Meninos Orgulhosos, agrupam jovens desordeiros, assumidamente chauvinistas, misóginos, antissemitas e antifeministas, que ganharam certo destaque nos últimos meses, patrulhando ruas e perseguindo e espancando manifestantes pró-justiça racial.
Quando uma condenação é confundida com um elogio por aqueles que deveriam sentir-se admoestados, provavelmente não se trata de uma condenação. Provavelmente, é mesmo um elogio.
Poderia dar-se o caso de Trump ser um cavalheiro, tão, mas tão elegante e delicado, que não conseguisse criticar alguém sem que a crítica se assemelhasse a um louvor. Não é o caso. Pode acusar-se Trump de tudo, menos de ser um cavalheiro. Independentemente das suas posições políticas, é difícil imaginar sujeito mais desagradável. Sinceramente, querido leitor, se você tivesse de escolher entre um beijo de Trump ou um soco dele, o que você escolheria? Acho que só Jair Bolsonaro escolheria o beijo. Mas aí, é claro, estamos falando de amor.
Estou certo de que antes deste texto ser publicado já Donald Trump terá tentado recuar, relativamente, aos Proud Boys. É o seu comportamento habitual. Contudo, ficará sempre pairando numa zona cinzenta. Na prática, a mensagem passou.
São muitos os episódios em que o presidente norte-americano se recusou a condenar de forma clara o fundamentalismo cristão e o terrorismo branco. Basta recordar o caso da marcha da extrema-direita, em Charlottesville, na Virgínia, quando Trump, depois de muito pressionado, fez uma declaração condenando a violência “de muitas partes”, ou seja, colocando no mesmo prato os agressores e suas vítimas.
Concluindo — as milícias de Trump estão em estado de prontidão combativa. Se ele perder as eleições, que é o cenário mais provável neste momento, vai ser muito difícil para as autoridades conter esses grupos. O caos, como ficou também evidente no debate da passada terça-feira, é o oxigênio que alimenta os pulmões de Trump e da sua tropa. E quem ganhou esse debate foi o caos.
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