Mostrando postagens com marcador Sabrina Fernandes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Sabrina Fernandes. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 2 de maio de 2019

O socialista de iPhone


Vamos lá: o argumento “hurr durr socialista de iPhone” é péssimo não só pela constatação óbvia de que alguém precisa estar na sociedade (no nosso caso a sociedade capitalista onde tudo gira em torna da compra e venda) criticar a sociedade, mas por não entender o que Marx propõe.

A crítica marxista ao capitalismo gira em torno do seguinte princípio: o proletariado é a classe que, através de seu trabalho, produz todos os bens e commodities da sociedade. Como ela não detém controle dos meios de produção, porém, ela não consegue desfrutar disso.

Portanto um comunista (que em 99% dos casos é um proletário) emprega serviços oferecidos pela Netflix, pela Uber ou pela iFood, ele só tá usando bens produzidos pela própria classe trabalhadora. Afinal, não é o CEO da Uber que vem buscar a gente com o carro dele, né?

‘Ah, mas então quer dizer que a classe trabalhadora usufrui dos bens criados pelo capitalismo’

Uma parte dela, sim. A maior parte é privada dos bens que ela mesma produz, pois, o salário que lhes é pago não é suficiente nem pra sustentar uma família, quem dirá pagar Uber.

Além de Marx ter criticado o fato de que a classe trabalhadora não usufrui completamente de seu próprio trabalho, ele nunca propôs que a resolução desse problema fosse o fim do consumo. Ele entende que o capital força o consumo, e que todo consumo dentro do capital é antiético.

Então mesmo que você vá lá e arranje meios mais alternativos (não oferecidos por grandes corporações, por exemplo) de consumo, você ainda vai estar sustentando um modo de produção opressor e antiético. Mas Marx não sugere que isso seja culpa do indivíduo. É culpa do sistema.

Se Marx tivesse teorizado que o consumo individual fosse o problema, ele teria sido um monge franciscano ao invés de filósofo e economista. Mas a análise dele é muito mais profunda do que isso. Não é à toa que ele propõe uma revolução, e não que viremos todos ermitões.

Se você ainda não se convenceu e/ou não entendeu, fique com 15 minutos de @safbf falando sobre tudo isso e mais um pouco:

sábado, 6 de abril de 2019

Angústia

Sabrina Fernandes

Quando eu tô angustiada, eu leio Lenin.

Eu tô lendo Lenin.

"São uns choramingas democratas pequeno-burgueses, mil vezes mais perigosos para o proletariado [...] cometerão inevitavelmente uma traição em cada momento difícil e perigoso... "sinceramente", convencidos de que ajudam o proletariado!"

"Não só no terreno do parlamentarismo, mas em todos os terrenos da atividade humana,. o comunismo deve apresentar (e não poderá fazê-lo sem um trabalho prolongado, persistente e tenaz) algum princípio novo, que rompa de modo radical com as tradições da II Internacional[...]"

"É "difícil" conseguir que os parlamentares comunistas não se deixem levar pelas frivolidades parlamentaristas dos burgueses, e que se entreguem ao mais que essencial trabalho de propaganda, agitação e organização das massas."

"aprender[...] a dominar todos os aspectos da atividade e do trabalho, sem nenhuma exceção, a vencer em toda parte todas as dificuldades e todos os costumes, tradições e hábitos burgueses. Qualquer outra maneira de encarar a questão é totalmente despida de seriedade, é infantil."

Lenin escreveu isso em 1920, ou seja, pós revolução de 1917. Isso me lembra momentos dos últimos 20 anos no Brasil, mesmo a gente nunca ter tido uma experiência como 1917. E tudo me soa tão atual. Não é como se a gente não soubesse aonde certas coisas vão parar...

(São trechos dos apêndices de Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo - sim, aquele livro que Duvivier usou pra fazer uma piada naquele episódio infame do GregNews e que não combinou nada com a piada por ter zero contexto do conteúdo do livro).

domingo, 24 de fevereiro de 2019

A esquerda e o punitivismo


Eu nunca gostei do conceito "esquerda punitiva" - sempre achei demagogo e pouco sociológico. Com todo respeito à pensadora que o propôs e suas excelentes contribuições pro debate, a noção de uma esquerda punitiva propõe uma equivalência discursiva, ignorando a base material.

Karam reconhece que quando a esquerda invoca a repressão punitiva, o faz como reação.O conceito traz uma análise interessante do discurso, mas falha no sentido da razão para a reação. A esquerda sim "aceita a lógica" no discurso, mas isso parte da materialidade.

O punitivismo é um buraco de minhoca ideológico que une a esquerda e a direita em certos momentos como adeptos ao senso comum acerca do crime. Todavia, enquanto a direita parte do punitivismo, a esquerda geralmente chega a ele após falhas de práxis e transformação social.

Criminalizar a homofobia é um tema tão tenso e com tanta tensão na esquerda justamente porque a homofobia se apresenta cada vez mais violenta e validada na sociedade conservadora. A criminalização aparece como - única - opção pra tantos justamente porque falhamos na prevenção.

Este artigo do Marcelo Hailer traz um importante panorama: a criminalização se apresenta justamente porque tardou. A esquerda rifou importantes iniciativas quando a conjuntura ainda lhe era favorável e hoje, sob Bolsonaro, a ameaça piora.


Embora muitas vezes o discurso da esquerda apareça como o da direita nos clamores por punição, cadeia e criminalização, há uma enorme diferença entre fazer isso quando se trata de proteger vidas e um projeto político concreto de limpeza étnica. E é por isso que...

A esquerda tem a obrigação de fazer o debate qualificado sobre criminalização para trazer à tona suas razões materiais e ser responsável com as consequências penais sob um Estado racista quando decide invocá-lo. Hashtags a la porquesim mascaram a materialidade e não politizam.

Nossa obrigação sempre deve ser de qualificar o debate e nunca tomá-lo como finalizado, trancado, "lacrado." Toda iniciativa de criminalização possui consequências e muitas delas não trazem os resultados esperados. Existe muita fé ainda na esquerda no judiciário. É estranho...

A conjuntura escancarou o judiciário burguês. Essa burguesia é conservadora, machista, racista e LGBTfóbica mesmo se promover uma criminalização na superfície. Enfatizar isso politiza, ajuda a pensar alternativas carcerárias e nos diferencia da direita, essa sim, punitiva.

A lição é simples: toda vez que surgir uma oportunidade de criminalizar algo para evitar situações opressoras, desconfie. Questione. Pense políticas públicas. Pense alternativas. E aí, se decidir um apoio à criminalização, que seja crítico e que leve a sério as consequências.

E foi tudo isso pra falar: o tema é complexo, delicado, pede sensibilidade, mas também pede que sejamos responsáveis com as origens materiais das demandas por criminalização da esquerda. Não são só reação, pois partem de falhas políticas que precisam ser corrigidas.