domingo, 24 de fevereiro de 2019

A esquerda e o punitivismo


Eu nunca gostei do conceito "esquerda punitiva" - sempre achei demagogo e pouco sociológico. Com todo respeito à pensadora que o propôs e suas excelentes contribuições pro debate, a noção de uma esquerda punitiva propõe uma equivalência discursiva, ignorando a base material.

Karam reconhece que quando a esquerda invoca a repressão punitiva, o faz como reação.O conceito traz uma análise interessante do discurso, mas falha no sentido da razão para a reação. A esquerda sim "aceita a lógica" no discurso, mas isso parte da materialidade.

O punitivismo é um buraco de minhoca ideológico que une a esquerda e a direita em certos momentos como adeptos ao senso comum acerca do crime. Todavia, enquanto a direita parte do punitivismo, a esquerda geralmente chega a ele após falhas de práxis e transformação social.

Criminalizar a homofobia é um tema tão tenso e com tanta tensão na esquerda justamente porque a homofobia se apresenta cada vez mais violenta e validada na sociedade conservadora. A criminalização aparece como - única - opção pra tantos justamente porque falhamos na prevenção.

Este artigo do Marcelo Hailer traz um importante panorama: a criminalização se apresenta justamente porque tardou. A esquerda rifou importantes iniciativas quando a conjuntura ainda lhe era favorável e hoje, sob Bolsonaro, a ameaça piora.


Embora muitas vezes o discurso da esquerda apareça como o da direita nos clamores por punição, cadeia e criminalização, há uma enorme diferença entre fazer isso quando se trata de proteger vidas e um projeto político concreto de limpeza étnica. E é por isso que...

A esquerda tem a obrigação de fazer o debate qualificado sobre criminalização para trazer à tona suas razões materiais e ser responsável com as consequências penais sob um Estado racista quando decide invocá-lo. Hashtags a la porquesim mascaram a materialidade e não politizam.

Nossa obrigação sempre deve ser de qualificar o debate e nunca tomá-lo como finalizado, trancado, "lacrado." Toda iniciativa de criminalização possui consequências e muitas delas não trazem os resultados esperados. Existe muita fé ainda na esquerda no judiciário. É estranho...

A conjuntura escancarou o judiciário burguês. Essa burguesia é conservadora, machista, racista e LGBTfóbica mesmo se promover uma criminalização na superfície. Enfatizar isso politiza, ajuda a pensar alternativas carcerárias e nos diferencia da direita, essa sim, punitiva.

A lição é simples: toda vez que surgir uma oportunidade de criminalizar algo para evitar situações opressoras, desconfie. Questione. Pense políticas públicas. Pense alternativas. E aí, se decidir um apoio à criminalização, que seja crítico e que leve a sério as consequências.

E foi tudo isso pra falar: o tema é complexo, delicado, pede sensibilidade, mas também pede que sejamos responsáveis com as origens materiais das demandas por criminalização da esquerda. Não são só reação, pois partem de falhas políticas que precisam ser corrigidas.

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