terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Pablo Ortellado is the new Merval Pereira


O colunista da Folha de S. Paulo, Pablo Ortellado, diz que os críticos da reforma bolsonariana da Previdência praticam "terraplanismo contábil". Esse é o título de sua coluna. Ortellado, que construiu sua persona no debate público como alguém que paira acima da esquerda e da direita em defesa de valores civilizatórios diáfanos, hoje desce à terra e ocupa sem disfarces uma posição ao lado de Merval Pereira e Eliane Cantanhede.

Ortellado já parte do enquadramento da Previdência como questão meramente contábil. Bom, pela regra contábil - se receitas batem com despesas - deveríamos liquidar não apenas a Previdência, mas também escolas e hospitais. Toda discussão séria sobre a Previdência deve partir do reconhecimento que ela é uma política pública voltada à promoção da justiça social. A pergunta "as contas batem?" só ganha sentido quando precedida de outra pergunta: Qual é o patamar adequado que a sociedade brasileira pode prover, para que trabalhadores e trabalhadoras tenham uma velhice digna? Para Ortellado, essa questão simplesmente não existe.

O ponto de partida é ruim e, depois, o texto só piora. Ortellado refuta o argumento de que o defícit contábil não existe quando todas as receitas da seguridade social previstas na Constituição são incluídas na equação. Diz ele que essa afirmação "não reconhece, porém, que essas mesmas receitas são utilizadas por um conjunto amplo de políticas públicas, num jogo de soma zero, de maneira que quanto mais a Previdência as consome, menos se tem para a saúde e a assistência social".

Parece Paulo Guedes falando. Nossa opção fica sendo, então, matar velho ou matar doente. Mas o único adjetivo correto para descrever o argumento de Ortellado é que ele é mentiroso.

(1) As receitas constitucionais previstas para a Previdência são regulamentadas por lei, que determina os percentuais a serem alocados a ela. É de acordo com a lei que se prova que a Previdência não é deficitária, não sacando recursos de um fundo imaginário de contribuições sociais indeterminadas.

(2) Jogo de soma zero com outras políticas sociais é meuzovo. A proposta de reforma da Previdência integra um projeto amplo de ajuste neoliberal em que a perda de direitos previdenciárias não é alternativa, mas, pelo contrário, acompanha a retração no financiamento das políticas sociais. O objetivo é que a classe trabalhadora pague a conta dos lucros crescentes dos especuladores financeiros.

O que leva ao ponto seguinte do argumento de Ortellado: recusar o entendimento de que a dívida pública é a causa principal da crise fiscal. Sem se preocupar em argumentar, ele afirma que essa ideia é "ridicularizada pelo debate profissional". Que debate profissional? Entre os economistas do Bradesco e do Itaú, talvez. A relação entre rentismo e crise fiscal está amplamente estabelecida na literatura internacional - e não só entre autores à esquerda. No caso brasileiro, é fácil descartar os dados produzidos por uma miríade de economistas sérios sem enfrentá-los. Enfrentando-os, fica bem mais difícil. Imagino que Ortellado teria que dizer, como o pessoal do Partido Novo (sic) andou dizendo, que o pagamento dos juros da dívida não pode entrar na conta do orçamento público porque é só uma "devolução".

Quem é o terraplanista aqui?

Por fim, a bala de prata do colunista da Folha: quando a esquerda esteve no governo, ela própria buscou reformar a Previdência. Seria um bom ponto para discutir as severas limitações dos governos petistas e os motivos pelos quais eles, em vez de enfrentar a lógica neoliberal, se curvaram a ela. Mas isso não interessa a Ortellado, cujo negócio é equivaler esquerda a petismo - e usar os equívocos do PT para silenciar o debate.

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