Quando, certa manhã, um general aposentado por pregar um golpe militar acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num democrata convicto.
É esta metamorfose que a reportagem de Vasconcelo Quadros descreve na Pública. Com algumas lacunas, como a de apenas reproduzir, sem ressalvas, a fala do responsável pelo treinamento do general vice-presidente no trato com a imprensa, do primeiro mandamento do "manual sobre as estratégias de dissimulação e exercícios sobre a arte da política": "não ofusque o brilho do mestre". Pois está bem viva na memória (de quem a cultiva, pelo menos) a cena da posse, em que o general lia o juramento protocolar de respeitar a Constituição aos berros, como se desse uma ordem à tropa. E este foi apenas o primeiro de tantos exemplos em que o vice brilhou mais que o chefe.
Quanto às artes da dissimulação, o "coach" do general demonstra ser mesmo um mestre. “O século 21 é o século do diálogo. Nas Forças Armadas não há mais intervencionista. Há, sim, legalistas e constitucionalistas”. Tal como seu pupilo, antes da espantosa metamorfose.
A reportagem é especialmente importante pelo que revela sobre o jornalismo. Explicita o funcionamento da engrenagem que justifica e alimenta o "media training": a fonte precisa estar preparada para dar o que o jornalista quer. E o jornalista, salvo raríssimas exceções, quer o lide.
Não que seja novidade, mas é sempre bom ver as coisas ditas com tamanha clareza.
E isso deveria nos alertar para o quão amplo é o terreno das "fake" nas "news" que circulam por aí.
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