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quarta-feira, 17 de junho de 2020

O golpe militar já aconteceu e não foi televisionado

Wilson Roberto Vieira Ferreira
Para nós a História é feita por grandes imagens icônicas televisionadas, filmadas ou fotografadas: tanques e soldados nas ruas no golpe de 1964; as torres do WTC desabando em 2001; imagens da TV do muro de Berlim sendo derrubado. As esquerdas também devem achar a mesma coisa: temem algo impactante que configure um golpe, de um cabo e soldado fechando o STF a tanques e soldados nas ruas fechando de vez o regime. Mas o golpe militar já aconteceu e a tomada do Estado não foi marcada por nenhum ato espetacular. Golpes militares híbridos não são televisionados. A doutrina militar do combate ao “comunismo viral” já tomou o Estado: já possui dispositivos legais e de operações psicológicas apoiadas pelo consórcio jurídico-midiático-militar. Enquanto põem em ação as estratégias híbridas de paralisação estratégica do inimigo através da manipulação do temor de um golpe que já aconteceu.

"Conquista corações e mentes que almas te seguirão" (autor desconhecido e lema do Copesp - Comando de Operações Especiais do Exército)

Por a acompanhar os fatos quase que exclusivamente através dos telejornais da grande mídia, passamos a nos acostumar com a ideia de que a História se move através de eventos grandiloquentes, acontecimentos dramáticos, tão impactantes que são capazes de fazer a gente perder o chão.

Queda do muro de Berlim em 1989; a imagem de tanques e jipes de guerra em frente ao Congresso Nacional na conflagração do golpe militar em 1964; o avião batendo na torre do WTC em 2001; um milhão de pessoas reivindicando Direta-Já no Vale do Anhangabaú/SP em 1984, e assim por diante.

Eventos televisionados ou imortalizados por fotos e vídeos que os tornaram icônicos. Para nós, História e iconicidade tornaram-se sinônimos: só sentimos que a História anda para frente quando os acontecimentos se tornam telegênicos ou fotogênicos.

As esquerdas parecem estar sob esse efeito hiper-real de ver a realidade a partir de imagens que foram feitas dela.

Nesse momento as esquerdas estão preocupadas com as cordas começarem a ser “esticadas”: Bolsonaro falou que a possibilidade do TSE caçar a chapa presidencial é “começar a esticar a corda”. Enquanto o Ministro da Secretaria do Governo, General Luiz Eduardo Ramos, rechaça a ideia de golpe militar, mas faz uma ressalva: “não estica a corda”.

As esquerdas temem um pesadelo da “ruptura institucional” se realizar, um “golpe”. Isso desde que Eduardo Bolsonaro falou em fechar o STF com um cabo e soldado em 2018. Têm pesadelos com um novo golpe militar, com tanques de guerra e tropas cercando Congresso e STF, Estado de Exceção, suspensão de direitos civis, enquanto soldados cercam sedes de sindicatos e partidos de oposição.

Reverberam ainda as velhas imagens de março de 1964, trauma seminal, fantasma que ainda assombra as esquerdas. Para elas, o remédio para isso é luta e resistência: o povo tomando as ruas e resistindo até o fim.

Mas quase 60 anos depois parecem não terem aprendido uma simples lição da uma sociedade do espetáculo: nenhuma revolução ou golpe militar será televisionado. Paradoxalmente, quanto mais se produz, transmite e dissemina imagens de pessoas, lugares e eventos, mais a realidade se torna opaca e menos entendemos o que está acontecendo.  

A palavra “golpe” é oportuna, condensa uma série de questões que, na perspectiva de uma guerra híbrida, são meramente superficiais. 

Grande mídia vem nas últimas semanas “esticando a corda” quando repercute falas de Bolsonaro sobre o artigo 142 da Constituição para justificar uma “intervenção militar constitucional”. Depois, um parecer conjunto, presidência da OAB e procuradoria constitucional do Conselho Federal tratando da inconstitucionalidade das propostas de intervenção militar constitucional e da inadequação da perspectiva que associa as Forças Armadas ao “Poder Moderador” da Constituição Federal.

O Golpe não será televisionado

Nesse meio tempo, Bolsonaro diverte-se nas suas domingueiras participando de manifestações pró-regime militar. 

Surgem mobilizações Pró-Democracia com torcidas organizadas de futebol e “antifas” nas ruas, para fazer frente às manifestações de extrema-direita. 

Os “300 de Brasília” (que na verdade não chegam a 30), apontam rojões para o STF, sempre à noite, depois de uma marcha fúnebre com tochas e máscaras que lembravam o personagem Jason do filme Sexta Feira 13. 

E, the last but not least, a desbocada líder que costuma se exibir empunhando armas de grosso calibre, foi presa pela PF... era tudo o que ela queria... e o xadrez da guerra híbrida pretendia.

O problema é que o “golpe militar” não foi e nem será televisionado. Sob as aparências de um suposto conflito de Bolsonaro com o comando do Exército e idas e vindas de falas que ora distensionam e ora tencionam (guerra criptografada), o consórcio militar-midiático-jurídico chegou ao poder e já deu o seu “golpe”. Tudo na “caneta”, na legalidade.

Desde 1985, tantos militares não ocupavam postos relevantes na cúpula do governo brasileiro. Despreparadas, as esquerdas e as oposições não viram que esse consórcio militar se sofisticou em estratégias de operações psicológica numa guerra híbrida. Há muito os militares deixaram de ser aquela figura caricatural do gorila, criada pela esquerda na crise política que levou ao golpe de 1964.

Principalmente depois de 2002, que o Exército criou o 1o BTI Op Psic – 1o Batalhão de Operações Psicológicas, a única organização militar dessa modalidade de operação na América Latina. Diretamente influenciado pela doutrina de segurança da Atlantic Council (lobby americano de grande penetração no Departamento de Estado dos EUA). 

Para essa doutrina, os maiores adversários da democracia não seriam mais países (China ou Rússia), mas ameaças virais atuando nas redes sociais. E o comunismo seria a principal delas – desintegrado, tornou-se viral com a capacidade de contaminar o mundo inteiro.

Expressa pela ideologia do “multiculturalismo” que colocaria em confronto EUA e Israel com o Movimento Comunista Internacional e países islâmicos. Em 1989 o “paleoconservador” William S. Lind chamava isso de “guerra de quarta geração” e que mais tarde seria redefinida como “guerra híbrida”.

Artigo completo:

domingo, 31 de maio de 2020

Jornadas de Junho - 2. A ascensão do nazismo



Não é querer jogar água fria na fervura mas... numa caçamba virada na Paulista no choque de manifestantes "PróDemocracia" contra a polícia picharam: ACAB (acrônimo inglês All Cops Are Bastards), emulando as manifestações anti-racismo de Mineápolis, e "2013 VIVE"... movimentos espontâneos de organizadas de futebol pela democracia?... na mesma tarde em que o exército divulga no Twitter que está preparando militares para operações de Garantia da Lei e da Ordem"... modus operandi das jornadas de junho (GUERRA HÍBRIDA) para criar cenário que justifique finalmente o Golpe?... pauta genérica ("Defesa da Democracia), manifestação supostamente espontânea, grande mídia relembrando 2013... sei não...

domingo, 19 de janeiro de 2020

2013: o ano em que o País tirou o Diabo para dançar na Primavera que jamais chegou

Os quinze primeiros dias de 2020 foram marcados por dois acontecimentos ironicamente ligados no tempo e no espaço, presente e passado: os atos de Movimento Passe Livre em São Paulo (com esperada repressão policial) e o inacreditável vídeo plágio-nazi-Goebbels do demitido secretário da cultura Roberto Alvim. Enquanto os protestos no Centro de São Paulo mostravam que o MPL voltou à sua condição inicial, desconhecida para a maioria dos brasileiros, capaz de mobilizar algumas dezenas de pessoas (nada parecido com 2013 em que foi a centelha da explosão de um barril de pólvora), o vídeo de Roberto Alvim apenas tornou explícito por que aquilo deu nisso – o vídeo simplesmente revelou que a “primavera” das chamadas “jornadas de junho” de 2013 jamais chegou: ao invés de um futuro melhor, abriu caminho para a extrema-direita. Sem perceberem, as manifestações de 2013 tiraram o Diabo para dançar – basta revisitar os bastidores e a localização geográfica dos usuários das redes sociais daqueles dias inebriantes para percebermos que as primeiras notas da trilha de Wagner do vídeo de Roberto Alvim já estavam sendo tocadas pela guerra híbrida.  
Esse ano começou com três atos no centro de São Paulo do Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento da tarifa do transporte público. Bloqueios de policiais com escudos, integrantes do protesto e black blocs tentando invadir estações de metrô, dispersões com bombas de gás lacrimogêneo, coquetéis molotov, faixas negras com os dizeres “R$ 4,40 não dá!” estendidas diante dos policiais, spray de pimenta usados pela polícia para a dispersão, atos de vandalismo, ativistas detidos e levados a distritos policiais...

Mas... nada de imagens aéreas ao vivo e extensivas sobre os protestos, nada de a Globo sacrificar comercialmente seu horário nobre para transmitir protestos aos vivos, nada de black blocs fazendo poses épicas e gestos desafiadores para cinegrafistas e fotógrafos. Apenas coberturas jornalísticas resumidas, sem sonoras, reportagens burocráticas e protocolares. E muito menos, matérias com estimativas da PM e do MPL sobre o número de participantes... Nada parecido com um passado recente no qual o MPL produzia manchetes, estava no centro dos holofotes da política e da mídia, produzindo fotos e vídeos icônicos circulando no Facebook e Twitter.

Parece que o MPL (fundado no Fórum Social Mundial de Porto Alegre em 2005) voltou à sua condição inicial, desconhecida para a maioria dos brasileiros, capaz de mobilizar algumas dezenas de pessoas para causar apenas aborrecimentos no trânsito e ser ignorada pela grande imprensa. 

Os sociólogos e cientistas políticos de plantão em junho de 2013, quando o MPL e os protestos contra o aumentos das tarifas levaram 100 mil pessoas para as ruas de São Paulo na noite do dia 13 (com violenta repressão policial), falavam em “crise de representatividade dos políticos”, “aumento da percepção da corrupção” e de um governo que não conseguia oferecer serviços públicos de qualidade para a população como educação, transporte e saúde. 

Por isso, comemoravam o “novo” na política e que “a classe política deveria aprender a lição”.

Ao que consta, as questões apontadas em 2013 não só permanecem como pioraram, somadas ao desemprego e depressão econômica. Então, o que mudou? Por que então tudo o que vemos são imagens melancólicas dos atos do MPL nas quais ironicamente vemos mais policiais com escudos do que manifestantes? Por que, apesar de tudo, a conjuntura atual não é mais aquela do “barril de pólvora” (como analistas da época descreviam) à espera da “centelha” em que se transformou a primeira semana de junho daquele ano, na qual um obscuro grupo de estudantes universitários acendeu o rastilho que fez explodir o País?

“Democracia vibrante”

Por que? Alguns analistas políticos falam algo sobre “ressaca política”, depois tanta turbulência e polarização que chegou ao grau máximo em 2018, rachando o País ao ponto de relações familiares, conjugais e de amizades ficarem muitas vezes irremediavelmente estremecidas. Ninguém parece mais querer falar em política, protestos ou atos... cansou!

Até as “Jornadas de Junho de 2013”, os únicos protestos comparáveis na história brasileira tinham sido os de até então 21 anos atrás – as manifestações de 1992-93 pedindo o impeachment do então presidente Fernando Collor.

Em termos de opinião local e internacional, o País era celebrado até aquele momento como uma história de sucesso - uma democracia vibrante, uma economia latino-americana que crescia a taxas semelhantes às da China, além de ser o "B" no BRICS. 

De que maneira essa conjuntura se transformou de repente num barril de pólvora à espera do fogo do rastilho que transformasse o Brasil em sinônimo de disfunção, instabilidade e crise sistêmica econômica e moral?

Cientistas sociais no futuro ainda detalharão e documentarão os eventos daquele ano que... deu no que deu. Acompanhamos diariamente as manchetes: cada notícia, em última instância, tem uma relação causal com aquele ano de 2013 – até mesmo o inacreditável vídeo-plágio-nazi-Goebbles do demitido secretário da cultura Roberto Alvim.

Revisitando aquelas jornadas, principalmente pelo ponto de vista de jornalistas e pesquisadores estrangeiros que cobriram os eventos, podemos reunir aqui e ali indícios, sincronismos, coincidências que apontam para uma cadeia de eventos produzida, provocada, incitada ou plantada – o conceito militar de “guerra híbrida”, na época considerada apenas uma “teoria conspiratória”. 

Mas hoje, admitida com atraso por cientistas sociais à esquerda como, por exemplo, Jessé de Souza com o lançamento em março do livro “A Guerra Contra o Brasil”.   

Revisitando a “Primavera Tropical” 

Vamos ver alguns desses indícios.

“Foi uma surpresa...  Estamos há oito anos nisso. Este ano esperávamos mobilizações... mas não 100 mil pessoas nas ruas!”, disse Douglas Belome, ativista do MPL, ao repórter da agência de notícias Reuters, Asher Levine, em junho de 2013. Em artigo pela Reuters, o jornalista compartilhava essa surpresa: “o Brasil não teve um histórico recente de protestos políticos e vem de um histórico boom econômico na última década” – clique aqui.

A reportagem de Asher descrevia como a surpresa dos ativistas do MPL tinha uma relação direta com a gradativa perda do papel de liderança do Movimento depois de quatro manifestações naquele mês.

“Vinegar Protests” (“Protestos do Vinagre”) “Tropical Springs Brazil Protests” (“Primavera Tropical Brasileira”), “Jornadas de Junho”, não importava o nome: enquanto a imprensa internacional reportava tudo com espanto e curiosidade, aqui, a partir de um determinado momento, a grande mídia criou uma narrativa de que tudo era natural. Uma decorrência previsível depois dos anos de escândalo do mensalão e de corrupção que supostamente carcomia a qualidade dos serviços públicos.

A chegada dos “Não-ativistas”

Naquele ano o jornalista Vincent Bevins cobria os acontecimentos como correspondente do Los Angeles Times. Nas manifestações de 17 de junho, Bevins começou a perceber uma mudança no tom dos protestos: não-ativistas estavam começando a aparecer:
Cobri a primeira manifestação em que não-ativistas começaram a aparecer. Quando a marcha se aproximou da famosa ponte Octávio Frias de Oliveira, em São Paulo, uma discussão eclodiu na minha frente. De um lado, quatro ou cinco jovens punks magrelos e politicamente articulados, vestindo vermelho e preto; do outro, um grupo de recém-chegados agitando a bandeira do Brasil. Os punks disseram aos recém-chegados que a bandeira não passava de um símbolo nacionalista vazio e que, se não fizessem nenhuma exigência específica ao governo, sua postura poderia facilmente deslizar para o fascismo. (...) Os manifestantes acreditavam que os recém-chegados não tinham uma mensagem real - apenas acenar a bandeira era semelhante a não protestar, ou talvez ainda pior, sentiam os punks. Eles acreditavam que ali era o lugar para darem uma lição sobre a bandeira, aparentemente com um didático espírito de solidariedade; os recém-chegados, em resposta, disseram aos punks para calarem a boca - Eu testemunhei essa cena por acaso, mas outros participantes relataram ter presenciado tensões semelhantes em toda a cidade - clique aqui.
Para Vincent Bevins, progressivamente os confrontos entre “não-ativistas” e o MPL começaram a se repetir. Como no dia 21 de junho quando, na Avenida Paulista, presenciou manifestantes corpulentos expulsando violentamente jovens esquerdistas que compunham grande parte das marchas originais. “Os homens gritavam ‘Sem partidos! Sem partidos!’... Eles insistiam que suas demandas não eram nem de esquerda nem de direita – eram simplesmente brasileiros”.

Sincronicamente, nesse momento a grande mídia deu uma violenta guinada na interpretação dos acontecimentos quando esses novos manifestantes (“não-ativistas”) entraram na briga.

Depois dos primeiros dias em que foi pega de surpresa e passou a acusar os primeiros atos como “carnaval de vandalismo”, “crime” e “burrice política” (Arnaldo Jabor, por exemplo, acusava de “ignorância misturada com rancor”), simultaneamente à presença dos “não-manifestantes” que passaram a dominar o ritmo das marchas, a TV Globo passou a compará-los aos “caras-pintadas” do impeachment de Collor. 
Começou a convidar os espectadores a enviar seus melhores vídeos sobre os protestos e a caprichar nos enquadramentos de forte carga retórica - torre da FIESP na avenida Paulista iluminada em verde e amarelo diante de um mar de faixas e cartazes. 

Um cinegrafista enquadrava uma criança que dava flores para cada manifestante que passava na avenida Faria Lima.... Nada parecido com a atual cobertura protocolar dos protestos contra o aumento das tarifas.

Cenas de depredação e incêndios provocadas claramente por truculentos agitadores sempre mostrados em tomadas aéreas por helicópteros para dar um impacto ainda maior de caos e anomia, emendadas por comentários sobre perda do controle federal, repercussão internacional das manifestações, aumento do dólar e assim por diante em um delirante discurso metonímico.

A geografia das redes sociais

“Não é apenas pelos 20 centavos! Muda Brasil!”. Quando o criador e CEO do Facebook, Mark Zuckenberg, postou em seu perfil essa mensagem de apoio às manifestações brasileiras, ficou claro naquele momento que algo mais estava em jogo, além do Facebook e do Twitter serem consideradas as principais ferramentas nas mobilizações das ruas – clique aqui.

O artigo dos pesquisadores Marco Basto, Raquel Recuero e Gabriela Zago, “A Spatial Analysis of the Vinegar Protests in Brazil”, apresenta os resultados de uma investigação empírica sobre a relação entre a localização geográfica dos manifestantes (por hashtag, geolocalização e perfil) que participaram das marchas de protestos de 2013 no Brasil e a localização geográfica dos usuários que tuitaram os protestos.

Uma das evidências encontradas foi de que os usuários que postavam os protestos nas redes sociais estavam geograficamente distantes dos protestos nas ruas e que usuários de áreas geograficamente isoladas nas hashtags do Twitter para participar remotamente das manifestações.

As principais conclusões deste estudo oferecem uma contribuição valiosa para o debate sobre o ativismo da mídia e podem ser resumidas em duas conclusões. Em primeiro lugar, a geografia dos protestos nas ruas é consideravelmente distante da geografia dos usuários que twittam os protestos (distância de 768, 912, 930 quilômetros da localização dos fluxos de atividades de hashtag, perfil ou geocódigo, respectivamente). De fato, as análises relatadas neste estudo fornecem evidências empíricas de que as geografias do ativismo político on-line e no local são em grande parte diferentes. Esses resultados apoiam e ampliam as descobertas (...) de que a proximidade geográfica teve um impacto mínimo sobre o que os usuários se comunicavam. Os resultados também destacam que a mídia coloca mais ênfase no contexto político nacional do que na localidade real em que os usuários twittaram suas mensagens (BASTOS, Marco; RECUERO, Raquel; ZAGO, Gabriela, “A Spatial Analysis of the Vinegar Protests in Brazil", First Monday Journal, N. 3, March, 2014).

As redes sociais foram menos “ferramentas de mobilização” ao estilo flash mobs. Os protestos foram remotamente repercutidos para criar uma ênfase nacional, reforçando a narrativa que estava em andamento pela grande mídia. Muito mais uma estratégia elaborada de “agenda setting” do que parte de uma “manifestação horizontal e organizada através das redes sociais”, narrativa predileta da grande mídia para criar a mitologia da “espontaneidade” dos protestos.

Fez parte da estratégia de propaganda dessa guerra híbrida criar a narrativa das “manifestações horizontais, sem lideranças, convocadas espontaneamente através das redes sociais” – esse foi o script de todas as “primaveras coloridas” ao redor do mundo, dos países árabes a Hong Kong. 

Como demonstram os dados empíricos da análise espacial da geografia dos protestos de 2013 nas redes sociais, a principal função dessa estratégia digital foi nacionalizar as manifestações locais – colocar as demandas locais dos transportes públicos firmemente na agenda política nacional para abrir espaço às demandas mais agressivas contra o governo federal.

Dessa maneira, até o final de junho o MPL perdeu amplamente o controle das manifestações que passaram a ter um forte appeal de classe média, anti-esquerda. 

Em resposta, tentou-se um movimento coordenado da esquerda para recuperar a liderança do movimento, incluindo uma declaração do MPL de que não mais convocaria para as manifestações de rua diante do sucesso em impedir o reajuste das tarifas do transporte público.

Mas já era tarde. A grande mídia queria líderes para falar pelos manifestantes. E jovens de novos movimentos que vieram na esteira das redes sociais, como o Movimento Brasil Livre (MBL) lhes forneceu exatamente isso.

Muitos acreditam que os manifestantes de junho de 2013 tiveram as melhores intenções possíveis. Em uma entrevista coletiva no dia 20 de junho, três manifestantes do MPL, exaustos, em uma sala ocupada pela mídia nacional e internacional, confessaram: “ainda não tivemos tempo para digerir tudo isso, tudo o que sabemos é que estamos felizes”.

“Atualmente, os protestos que ocorrem não articulam uma visão para uma sociedade melhor. São apenas pedidos de ajuda. Estamos sofrendo uma surra todos os dias ”, diz Carolinne Luck, natural do Rio de Janeiro e que participou das primeiras manifestações de 2013. "Para ser sincera, não tenho ideia se o que fizemos naquele ano ajudou ou prejudicou o país".

Mas uma coisa é certa: 2013 foi o ano em que o Brasil tirou o diabo para dançar!

Com informações de Atlantic, Reuters, BrasilWire, Americas Quartely, First Monday Journal.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Lula joga um balde de água fria na guerra da comunicação

Cinegnose - Wilson Roberto Vieira Ferreira

Muito tem se falado do fenômeno global da ascensão do populismo de direita (Brexit, Trump, Bolsonaro, Zelenski etc.) através do domínio tecnológico das estratégias digitais – mineração de Big Data, fabricas de memes, fake news, deep fake etc. 

E, mais preocupante, o quanto os seus concorrentes à esquerda ou de centro insistem em se manterem analógicos, sem perceberem como as plataformas de mídias digitais se tornaram o novo espaço público da sociedade. Porém, dominado por ideias anti-iluministas ou anti-humanistas, pelo nacionalismo mais tosco, intolerante, alimentando um total desprezo até pela Ciência e o conhecimento.

A avaliação que a esquerda parece fazer de tudo isso lembra aquela estória do rei que matou o mensageiro que veio de uma terra distante com uma má notícia. Em outras palavras, ainda a simples menção da necessidade estratégica da esquerda compreender o que aconteceu nas redes sociais durante a eleição de 2018 para utiliza-las como meio efetivo para a transmissão de conteúdos progressistas, significaria “fazer o mesmo jogo rasteiro da direita”.

Porém, esta “novidade” na estratégia de comunicação do populismo de direita não é tão nova assim. Na verdade, essa suposta novidade já tem quase 70 anos. 

Todo o atual hype em torno da instrumentalização política das mídias digitais, redes sociais e mineração de big data como fosse uma grande novidade, nada mais faz do que amplificar tecnologicamente uma descoberta da sociologia da comunicação no pós-guerra do século XX: a revelação de que na circulação de informações na sociedade a influência social é mais decisiva do que a manipulação direta da propaganda transmitida pelos meios de comunicação de massas.

Divisor de águas na Comunicação

Esse verdadeiro divisor de águas no campo da Ciência da Comunicação veio através das pesquisas do sociólogo com especialização em matemática e métodos quantitativos, Paul Lazarsfeld (1901-1976).
Talvez a questão da comunicação para a esquerda seja um problema ainda mais sério: não se trata apenas de não ter compreendido um fenômeno supostamente novo e inesperado. Na verdade, há no mínimo 70 anos a esquerda vem ignorando aquele divisor de águas proposto por Lazarsfeld que mudou toda a compreensão da comunicação social. Desde a utilização revolucionária do rádio e do cinema pela propaganda nazifascista que culminou com a Segunda Guerra Mundial – voltaremos a esse ponto adiante.   

Toda essa reflexão que esse humilde blogueiro começa aqui a fazer foi originada por um verdadeiro balde de água fria jogado pela resposta de Lula dada em uma entrevista feita na redação do blog Nocaute, do jornalista Fernando Moraes – clique aqui.

Uma das participantes, Ana Roxo, perguntou se Lula e PT haviam entendido o que aconteceu nas redes sociais no Brasil durante as eleições de 2018. A resposta não poderia ter sido mais inquietante para um pesquisador em Comunicação: “Acho que o PT não tem que fazer o jogo rasteiro que eles fazem. Contra a raiva deles, precisamos vender sorrisos...”. 

E que a batalha da comunicação será vencida com a “democratização dos meios” e com o “apoio aos blogs sujos”.

E parece que está levando a sério essa tese de “vender sorrisos”: em vídeos aparece de chapéu Panamá, bronzeado e camiseta com gola em “V”, semblante feliz, conclamando: “em vez de nos escondermos em casa, temos que ir às ruas!” – semioticamente, há um incômoda dissonância entre a urgência da mensagem transmitida por um protagonista que inspira uma impressão inversa: tranquilidade, estabilidade e felicidade – clique aqui.

Enquanto, ao mesmo tempo, lança o livro organizado por Mauro Lopes “Lula e a Espiritualidade: oração, meditação e militância” com o mote de que “no coração de Lula pulsa a espiritualidade do povo brasileiro”.

Claro, um discurso de espiritualidade ecumênica ao gosto de convertidos (principalmente da “esquerda namastê”) e também motivadora para elevar o moral da militância – perdida desde que Lula foi levado preso do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC como prêmio pela Polícia Federal para, mais tarde, Bolsonaro reencarnar o fantasma da ditadura militar.

Onde direita e esquerda se encontram

Nesse ponto, o jornalista Ricardo Kotscho concorda: “num ponto direita e esquerda se encontram (...) em entrevistas e discursos, sem novidades, esquerda e direita se equivalem na mesmice de mensagens, falando para os já convertidos”.

Porém, se cada lado corresponde a um terço do eleitorado, segundo Kotscho, os outros 40% estão esquecidos e nem prestam mais a atenção. É a “maioria silenciosa que decide as eleições que bestificada assiste a esse diálogo de surdos”.

Mas Kotscho cai na mesma cilada de Lula ao falar que o problema de comunicação é de “conteúdo”: para se tornar digital, a esquerda teria que abrir mão de seus princípios e “partir para a baixaria, que é o que rende cliques e audiência na selva da Internet”. Para ele, seria impossível concorrer com o mesmo nível de baixaria de um Bolsonaro Salles, Damares, Weintraub e congêneres.

Depois de um ano da vitória de Bolsonaro por meio das falcatruas digitais já bem conhecidas e alvos de uma CPMI no Congresso, a esquerda continua ou negligenciando a questão da comunicação política ou recitando os velhos mantras conteudistas, sempre pensando como alvo da conquista de corações e mentes entidades abstratas como “povo”, “ruas”, etc., para as quais deve ser levada “alegria”  para se contrapor ao discurso de ódio da Internet.

A esquerda incorre em dois erros fundamentais:

(a) Matando o mensageiro: mídia digital é baixaria

Acreditar que as baixarias, atrocidades e o ódio incitado por memes, fakes news e deep fakes são intrínsecas às mídias digitais de convergência. Como se não fosse possível domar os algoritmos e fazê-los trabalharem a favor de outros valores ou ideologias. 

Exemplos vão desde os aplicativos desenhados exclusivamente para a campanha presidencial de Barack Obama em 2008 (em que a “usabilidade” – imediaticidade visual, controle intuitivo, simplificação de tarefas e clara definição de objetivos – passa a ser o principal quesito de um novo tipo de ativismo político – clique aqui) ou a proposta de um aplicativo de relacionamento para usuários de esquerda, o PTinder – ferramenta importante quando o próprio Lula admite naquela mesma entrevista ao Nocaute que “o PT não tem controle nem dos números de celular de seus milhões de afiliados e apoiadores”.

Esse Cinegnose vem há anos insistindo na ideia de que a esquerda deve lutar no mesmo campo simbólico da sociedade na qual a direita ganha por WO: o campo da produção simbólica digital.

(b) Tudo é novidade!

Mas há uma falácia de base na avaliação da esquerda sobre a comunicação e as mídias: a de que tudo o que aconteceu nas últimas eleições foram fatos absolutamente novos, decorrentes das sombrias aplicações dos insondáveis algoritmos que estão destruindo a democracia e a própria sociabilidade.
Na realidade, as atuais ferramentas de convergência midiática (dispositivos móveis, redes sociais, plataformas digitais etc.) apenas turbinam tecnologicamente uma descoberta no âmbito das ciências da comunicação que alterou definitivamente as estratégias de comunicação social – e é a base da atual engenharia social baseada em guerras híbridas: a descoberta do papel decisivo da influência social como fator que sanciona o conteúdo das mídias nas massas.

Os resultados das pesquisas empíricas sobre a recepção de rádio nos anos 1940-50 levaram Paul Lazarsfeld a romper com o paradigma da propaganda na comunicação – um suposto poder das mídias em doutrinar, manipular ou inculcar conteúdos pela mera exposição e repetição de conteúdos para os receptores dos meios de comunicação.

A maior contribuição de Lazarsfeld foi a descoberta do papel dos líderes de opinião na sociedade e suas influências junto as suas redes de relacionamentos: o conteúdo das mídias circularia pela sociedade em DUAS ETAPAS (“two-step-flow”): da mídia aos líderes e dos líderes a ampla maioria silenciosa e desatenta. À espera de que suas percepções sejam ativadas pela influência do líder para se tornar, então, opinião.

Em outras palavras: a mera exposição à propaganda não massifica conteúdos. É necessária a sanção dos líderes de opinião para que percepções se tornem opiniões e, mais tarde, decisões.

Por que viralização é diferente de massificação?

O que vemos hoje nas redes sociais e na mineração de big data é a potencialização dessa antiga descoberta – a diferença crucial entre massificação e viralização: enquanto a massificação implica em panfletagem, doutrinação ou irradiação de conteúdos de forma generalizada para toda a sociedade, a viralização significa modular os discursos para perfis definidos (os líderes de opinião ou “influenciadores digitais”) que certamente farão todo o trabalho do emissor – compartilhar na sua rede de relações.

E o que tudo isso significa para a esquerda? No balde de água fria jogado por Lula no blog Nocaute, parece estar implícita ainda a fé na massificação: da alegria, do otimismo, da espiritualidade, da militância e assim por diante, como meio para se contrapor ao discurso de ódio.

Discursos de ódio são virais. Não se combatem apenas com estratégias de massificação – chamar o povo às ruas, por exemplo.

Aliás, essas mobilizações só ocorrem pela decisiva influência social. Antes do PT e as esquerdas abandonarem as periferias para deixa-las sob a influência dos novos líderes de opiniões (os pastores neopentecostais), as Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica despenhavam esse papel decisivo durante o período da ditadura militar. 

Líderes comunitários sancionavam ou criticavam os conteúdos das mídias através das suas redes de influência. O que se tornou decisivo no papel de resistência e contrainformação diante da mídia hegemônica. 

Um exemplo prático disso está no documentário Esquinas Calientes: Geopolítica do Bairro Venezuelano (2019) realizado por Nacho Lemus, no qual é mostrada a chave de resistência do apoio popular ao governo de Maduro, apesar de tantos ataques da direita, crise de desabastecimento e fome. O que chama a atenção é o papel das CLAPs – Comitês Locais de Abastecimento e Produção – não só como canais alternativos de distribuição de alimentos e anti-bloqueios econômicos, mas também como canais de contrainformação – assista abaixo ao documentário.

O apoio ao governo não se deve a um culto ao presidente (massificação), mas um intenso trabalho de base na articulação de líderes sociais que influenciam suas redes de contatos - viralização.
Em síntese, por trás de todo esse fetichismo tecnológico (o hype do “novo” pelos insondáveis algoritmos), por trás da atual estratégia da extrema-direita em redes sociais jaz um simples e velho conceito que a esquerda jamais entendeu (ou não quer entender): o fator da influência social na comunicação.

Se a esquerda estiver realmente disposta de deixar de ser apenas jurídica-parlamentar e abandonar essa cantilena de “luta e resistência” que unicamente panfleta a bolha de convertidos, deverá articular toda a guerra semiótica em torno do conceito de “influência social” – seja pelas vias analógicas e ou digitais.

Reconquistar as redes sociais de influências, ora dominada pelos líderes comunitários neopentecostais nas periferias das grandes cidades. Que junto ao Estado policial rapidamente gestado por Moro e o Judiciário, nos faz caminhar céleres para a “República de Gileade” da série The Handmaid’s Tale (2017-) – o Estado teocrático cristão-militar fundamentalista.


domingo, 1 de setembro de 2019

A burrice e estupidez do futuro já estão entre nós em "Idiocracia"

CINEGNOSE

Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um filme que era originalmente uma comédia, mas que se tornou um documentário.

“Um filme que era originalmente uma comédia, mas que se tornou um documentário”, sentenciou a crítica especializada. O filme foi lançado em 2006, sem alarde ou cerimônia, em um punhado de redes de cinemas. Jamais um trailer promocional sobre o filme foi exibido anteriormente no cinema ou nos canais habituais de divulgação na Internet, como o IMDB.

No Brasil, foi lançado diretamente em DVD, sem qualquer esquema promocional.

Praticamente o estúdio 20th Century Fox descartou a produção por não saber como vendê-lo ou defini-lo: é uma distopia sci-fi? Uma comédia de sátira social? O problema é que o argumento do filme se concentrava numa sociedade estúpida, muito mais próxima de se realizar do que poderíamos imaginar. Uma sátira “hipo-utópica”, isto é, uma projeção hiperbólica no futuro de eventos que já estão acontecendo no presente - sobre esse conceito clique aqui.

Estamos falando do filme Idiocracia (Idiocracy, 2006), do diretor e roteirista Mike Judge – uma narrativa tão premonitória que, catorze anos depois, parece até um documentário.

Depois de catorze anos do “não-lançamento” de Idiocracia o que vemos? Comediantes ou estrelas de reality shows de TV eleitos presidentes como na Ucrânia e EUA (ou o  governador eleito João “O Aprendiz” Doria Jr, no Brasil; ou também o apresentador Luciano Huck sendo cogitado a candidato à presidência em 2022); apresentadores do canal Fox News defendendo racistas como patriotas; uma série reality de sucesso chamada Os Kardashians na qual uma família nada faz de relevante além de mostrar cirurgias plásticas, quem ficou gordo ou magro ou quem casou ou se separou; ou ainda a maior rede de comunicação da história humana, a Internet, que deu direito à palavra aos idiotas de aldeia que outrora tinham vergonha de si mesmos.

Talvez exatamente por isso a 20th Century Fox se viu embaraçada com o resultado final que Mike Judge apresentou para os executivos do estúdio: o filme era muito profético, quase um documentário sobre um futuro próximo. Futuro que certamente os executivos da indústria do entretenimento idealizavam.

Idiocracia começa descrevendo como o processo da evolução darwiniana caminhou para um sentido oposto na História. Até um certo ponto, a seleção natural sempre favoreceu os mais inteligentes e rápidos que se reproduziam em maior número que os demais. Um processo que favoreceu os traços mais nobres da humanidade, ao ponto que todo o gênero da ficção científica antevia sociedades civilizadas e inteligentes.

Mas o que aconteceu para a História premiar o embrutecimento e a involução? Como chegamos ao ano 2501 no qual a inteligência se extinguiu e a mentalidade limítrofe tornou-se o modelo desejável de existência?

Será que a Teoria da Evolução de Darwin estava errada? Ou a evolução tecnológica reduziu as expectativas dos padrões de inteligência a um ponto em que a burrice se tornou uma virtude?

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segunda-feira, 3 de junho de 2019

Na manhã da Globo, favela e previsão do tempo viram "matérias inspiradoras" pelas reformas

Todas as manhãs, os diversos “Bom Dia” (SP, Rio, Minas etc.) do telejornalismo local da Rede Globo desempenham uma função semiótica bem distinta dos telejornais de rede (JN, Hoje etc.) e da TV fechada. Nos telejornais de rede e GloboNews há uma repetição hipodérmica da expressão “Reforma da Previdência” (em torno de 20 a 30 vezes por hora) e más notícias econômicas como chantagem a uma categoria especial de telespectadores: os líderes de opinião. Enquanto nos telejornais locais a estratégia semiótica é outra: exibir “reportagens inspiradoras” e “boas notícias” para elevar a moral da patuleia desempregada, desalentada ou subempregada – “uberizada”. Diferente dos líderes de opinião, a massa dispersa e desatenta precisa ser motivada para elevar o moral no começo do dia.  Nesse esforço motivacional nada escapa. Nem a previsão do tempo ou o evento esportivo da “Taça das Favelas”.
Cinegnose

...o jornalismo global vem sistematicamente transformando imagens de filas de desempregados nas portas de empresas, os cortes na educação pública e as próprias manifestações de rua contra o “contingenciamento” em discurso de chantagem: Vejam isso! Se a reforma da Previdência não for aprovada será o caos!

Por isso, os telejornais de veiculação nacional partiram para a clássica técnica hipodérmica da repetição. Por exemplo, só na edição do JN de 30/05 repetiu-se a expressão “reforma da Previdência” 26 vezes. 

Pauta binária

Segundo a observação empírica do, por assim dizer, “DataCinegnose” desse humilde blogueiro, o canal fechado GloboNews (voltado principalmente aos líderes de opinião) repete a expressão “reforma da Previdência” de 20 a 30 vezes por hora!

Numa brutal estratégia binária, a pauta do jornalismo global está dividida entre “meganhagem” e terror/chantagem para defender as “reformas” – não só previdenciárias, mas também o “projeto anticrime" de Sérgio Moro.

Repetição e toscas interpretações de números de pesquisas. “A maioria dos brasileiros é a favor da Reforma da Previdência”, diz com um olhar sério William Bonner. Mas esconde do infográfico os números de que apenas 6% sabem do quê se trata a “Reforma da Previdência”.

Globo e a guerra criptografada

Muitos analistas ainda acreditam que a Globo perdeu a paciência com o clã Bolsonaro e partiu para guerra (principalmente, depois que deu espaço às manifestações de rua contra os cortes na educação em 15 de maio). Perde-se de vista como a emissora vem sistematicamente participando da guerra semiótica criptografada do Governo: produção em massa de dissonâncias para ocupar a pauta midiática, desviando a atenção da sistemática política de criação de terra arrasada.

Pelos seus interesses rentistas, a Globo fecha integralmente com a reforma da Previdência (a privatização da aposentadoria pelos bancos). No máximo, opõe-se à pauta de costumes e meio ambiente dos anti-ministros do capitão da reserva.

Leia a matéria completa AQUI

domingo, 27 de janeiro de 2019

Como um deficiente cognitivo como Jair Bolsonaro torna-se presidente da república?

Rebaixamento dos padrões de inteligência da Revolução Industrial 4.0 criou Bolsonaro


No momento em que o presidente eleito Jair Bolsonaro saiu da sua zona de conforto e se expôs em cenários não controlados como o Fórum Econômico de Davos ou a tragédia humano-ambiental de Brumadinho/MG, revela-se a sua condição limítrofe, com sérias deficiências cognitivas. E diante de pesquisas de opinião cujos resultados se colocam contra as principais linhas da sua “plataforma de governo”, muitos questionaram: mas afinal, como ele foi eleito? Discurso fascista? Anti-petismo? Há um fator ainda não tematizado - as relações intrínsecas entre a chamada “alt-right” (direita alternativa) e as redes sociais não é um mero acaso ou oportunismo. Personagens como Bolsonaro ou Trump são produtos das tecnologias de convergência da Revolução Industrial 4.0. Tecnologias que criaram uma cultura de aplicativos e redes sociais estruturada na noção algorítmica de “Inteligência Artificial”, que consiste em rebaixar os padrões do que entendemos como “inteligência”, enquanto os usuários se tornam simples processadores de informação.

Em postagens anteriores, este humilde blogueiro vem apontando para a importância do fator da canastrice na política – acostumados com simulacros televisivos e fílmicos, a opinião pública veria nos candidatos canastrões, que emulam personagens ficcionais, políticos verossímeis ou críveis... por lembrarem personagens da ficção.  Trump e o reality show televisivo "O Aprendiz" ou Doria Jr. e o meme do “Rei do Camarote”. E as “mitagens” de Bolsonaro, iniciadas como um personagem bizarro de humor em programas como Pânico na TV ("as mitagens do Bolsonabo”) ou no quadro “O Povo Quer Saber” no CQC da Band seriam os exemplos mais atuais.

Mas o fenômeno da canastrice na política ainda está associado às mídias clássicas de massas como Cinema e TV.

Bolsonaro e a alt-right vão além disso: também são produtos das tecnologias de convergência da RI 4.0. Tecnologias que criaram uma cultura de aplicativos assentada sobre a noção dúbia de “inteligência artificial”. 

Rebaixamento dos padrões de inteligência

Dúbia, porque, para muitos pesquisadores, a noção de “inteligência” trabalhada pelos cientistas computacionais e designers de softwares e aplicativos pressupõe uma autoabdicação humana: rebaixar os padrões do que entendemos como “inteligência”, enquanto os usuários se tornam simples processadores de informação.

Por exemplo, segundo o engenheiro computacional Jaron Lanier, para acreditarmos que aplicativos e algoritmos são realmente “inteligentes” temos que obrigatoriamente reduzir os nossos padrões de inteligência humana – o exercício diário de tratar máquinas ou aplicativos, como por exemplo Waze ou Google Maps, como formas de inteligência reais. O que resulta num senso de realidade mais flexível.

Isso sem falar nos aplicativos de relacionamentos que reduzem as relações afetivas à probabilidade estatística. Chama-se isso de “inteligência emocional” – a capacidade de adaptação irrefletida em um ambiente como forma de sobrevivência emocional.

Inteligência coletiva, nuvem, algoritmo ou qualquer outro objeto cibernético é aceito como uma super-inteligência por que reduzimos os nossos padrões e expectativas sobre a inteligência. As pessoas se degradariam o tempo todo para fazerem os aplicativos parecerem espertos. 

Por exemplo, a ideia de amizade nas redes sociais é vulgarizada e reduzida. Uma pessoa se orgulha em dizer que possui milhares de amigos no Facebook. Essa afirmação só poderia ser verdadeira se a ideia de amizade for restrita. Ignora-se que a verdadeira amizade deve expor à estranheza inesperada do outro.

Talvez não seja mera coincidência ou determinismo tecnológico (Trump e Bolsonaro apenas teriam sido espertos em se aproveitar das mídias em ascensão no momento, assim como Goebbels se apropriou do cinema e rádio à sua época) essa relação íntima entre a atual direita alternativa e as redes sociais como locus privilegiado para a guerra semiótica.

Mais do que o discurso fascistoide, beligerante e que apela mais ao fígado do que à mente dos receptores, a normatização ou verossimilhança de uma figura tão limítrofe como Bolsonaro (achar “aceitável” o capitão da reserva, com explícitas limitações cognitivas, ser um candidato a chefe de Estado), está sincronizada a esse projeto hipertecnológico que consiste em rebaixar o conceito de “inteligência”.

Uma das consequências mais importantes da precarização do conceito de inteligência com a cultura dos aplicativos e das redes sociais é, principalmente, o rebaixamento das expectativas sobre o que seja um debate político ou de ideias. E a confusão entre uma importante categoria civilizatória: a distinção entre público e privado.
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O clã Bolsonaro apenas foi o meio para que o projeto neoliberal (ruim de voto em qualquer eleição democrática) passasse incólume numa campanha eleitoral sem debates. O vice General Mourão é o núcleo duro militar e racional que garantirá a permanência do projeto da pulverização de direitos e garantias sociais com as “reformas” visadas pela “Casa Grande” (banca financeira e grande mídia).

E Bolsonaro, assim como Trump e tantos outros tantos “líderes” que ainda virão pela cruzada internacional da nova direita populista nacionalista comandada pelo norte-americano Steve Bannon, foi apenas um avatar criado para surfar na cultura de redes sociais e aplicativos.

A precarização das noções de inteligência e política é o meio para hackear a Democracia. Enquanto no mundo real, fora das bolhas digitais, as políticas de controle e extermínio de garantias e direitos sociais e econômicos passam sem nenhum debate público e inteligente.
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