O rabo que abana o cachorro
A mãe não ficou satisfeita com o lugar da filha no ônibus da excursão: sintonizada com os novos tempos — e com o exemplo que vem de cima —, resolveu que não havia melhor maneira de resolver a gravíssima questão do que botar o dedo na cara da professora e começar um faniquito todo trabalhado na gritaria, na frente da filha e de todos os outros alunos.
Esse episódio aconteceu há pouco no colégio do Martín, que, não por acaso, é o mesmo onde estudei. Ao que parece, o mundo mudou muito entre a minha geração e a dele, ou melhor dizendo, entre a geração dos meus pais e a dos pais dele. Já escrevi aqui que metade dos problemas atuais do Brasil seria resolvida pela Socila. Acho que sou um visionário.
A confusão na porta do ônibus não surgiu do nada: vinha sendo cevada com afinco nas milícias digitais escolares, também conhecidas como grupos de mães — e pais — no WhatsApp. Nessas células terroristas, são gestados os pandemônios e as tretas generalizadas da vida escolar — é claro que não estou falando dos grupos aos quais pertencem os leitores desta coluna, certamente formados apenas por pessoas equilibradas e de um bom senso inabalável —, mas sim daqueles que incluem pais que se orientam por um só princípio: o Enzo e a Valentina jamais podem ser contrariados. Enzo estava falando durante a aula e foi advertido? A professora estava errada. A Valentina ficou chateada porque teve o seu celular confiscado na sala? A professora é a culpada. O desejo deles é sempre uma ordem, e a escola só existe para atendê-los, esse é o mantra nos grupos e coitado de quem discordar. Se há uma categoria profissional que tem toda a minha solidariedade é a dos professores de colégio particular na Zona Sul carioca. São heróis da resistência, ou melhor, da paciência.
Não sei se os leitores têm a mesma experiência que eu, mas não me lembro dos meus pais resolvendo os meus problemas na escola: consideravam que a sua função era pagar a mensalidade em dia e fiscalizar a cor das notas no boletim, o resto era por minha conta. Não por desleixo, mas é que ainda estava em vigor a filosofia — hoje jurássica — de que é importante que a criança aprenda a se virar sozinha. Não tinha essa conversa de “oh, a professora de história é muito severa, não respeita o meu tempo de aprendizado”, “ah, o professor de matemática não vai com a minha cara...”. Se tentasse algo assim ouviria um carinhoso “dane-se, dá o teu jeito de tirar nota alta” do papai ou um afetuoso “se vira playboyzinho, se aparecer com uma nota vermelha pode procurar outra casa para morar” da mamãe. Já um “o lugar no ônibus não me agrada, vocês podem trocar para mim...” seria respondido com um delicado “deixa de ser mimado, e se vira sozinho” em uníssono. Essa crueldade paterna me obrigou a aprender a lidar com os professores e os outros alunos e, é claro, descobrir por conta própria o jeito de arrumar um lugar na janela.
Pelo visto, Enzo e Valentina não terão que passar por esse sacrifício. Espero que tenham sorte, se bem que o exemplo de cima mostra bem o que acontece quando os filhos fazem o que dá na telha.
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