Luis Felipe Miguel
Muita gente boa, na esquerda, implica com a bandeira “Fora, Bolsonaro”. Para uns, é uma chamada à presidência Mourão - que, aliás, tem se reencontrado com uma gorilice verdadeiramente helênica. Para outros, desvia o foco das políticas destrutivas de Guedes para se centrar nas bizarrices do capitão.
E há também a posição de muitas lideranças petistas, inclusive Lula, de que o “fora, Bolsonaro” pareceria desejo de revanche, golpe, desrespeito às regras. O caminho seria aceitar os quatro anos do governo obscurantista, fruto que ele foi de uma eleição que o ex-presidente define, contraditoriamente, como “roubada” e “legítima”.
Esta última leitura merece pouco minha atenção. É uma capitulação à formalidade do processo eleitoral que sabota a necessária denúncia do golpe, da perseguição judicial contra o próprio PT e do desfazimento da democracia brasileira. Se baseada no oportunismo míope (quatro anos de destruição para ganhar "fácil" em 2022), é lamentável - e uma aposta provavelmente fadada ao fracasso. Se baseada em convicção, é pior ainda.
Resta a objeção, mais séria, de que o “Fora, Bolsonaro” desvia o foco da luta. Devíamos pensar, talvez, em “Fora, Guedes” - mas na educação a gente quis “Fora, Vélez” e veio aquele bufão maligno no lugar. Ou então em “Fora, Bolsonaro, Mourão, Maia, Alcolumbre e Toffoli”, para pegar toda a linha sucessória. Ou "Pela anulação das eleições de 2018", com maior propriedade.
O ponto é que o "Fora, Bolsonaro" tem surgido de maneira espontânea. É a fórmula mais óbvia para indicar a rejeição a tudo o que o governo representa, incluindo seus vícios de origem, e a necessidade de parar imediatamente o processo de destruição do Brasil.
Pode significar simplesmente a vontade de ejetar Bolsonaro da presidência, como nos momentos em que a direita menos xucra namora a ideia de impeachment (mas logo volta atrás, com medo de desfazer o delicado equilíbrio que permite o progresso do retrocesso ou o avanço do atraso, para usar dois oxímoros que ilustram o Brasil de hoje). Ou pode significar muito mais do que isso.
As duas palavras do slogan não esgotam seu sentido. Nenhuma palavra de ordem, aliás, se resume à interpretação de sua literalidade - sempre lembro da história que E. P. Thomson conta, de que muitos trabalhadores que gritavam por "sufrágio (suffrage) universal" entendiam que se tratava de "sofrimento (suffering) universal", isto é, uma sociedade tão solidária que, se uma pessoa sofresse, todas as outras sofreriam juntas.
Creio que nossa tarefa, então, é aproveitar o "Fora, Bolsonaro" e preenchê-lo com o sentido de nossas lutas: o repúdio absoluto ao autoritarismo, ao obscurantismo à violência de Estado, à colonização da política pelo crime organizado, à perda da soberania nacional, aos ataques contra a classe trabalhadora, as mulheres, a população negra, os povos indígenas e às pessoas LGBT, ao descaso com a educação, ao desmonte das políticas sociais, à destruição ambiental.
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