quinta-feira, 14 de novembro de 2019

O amadorismo da política externa brasileira


Elias Machado

As declarações ambíguas e contraditórias da chancelaria da Rússia com relação a situação da Bolívia demonstra o quanto o Itamaraty trata de forma amadora a política externa brasileira ao se alinhar totalmente - e pior - sem qualquer contrapartida à política imperial dos Estados Unidos na região e no mundo. Dando uma no cravo e outra na ferradura, a chancelaria russa ao mesmo tempo que afirmou que houve sim um golpe e que a auto-proclamação da senadora Jeanine Àñez não atendeu as formalidades necessárias e anunciou que reconhece Àñez como mandatária provisória e que espera que convoque eleições o mais rapidamente possível.

E por que é que Moscou agiu de maneira tão contraditória? Por uma questão muito simples, meus amigos: os Estados são movidos pelos seus interesses estratégicos e não podem desconhecer os poderes de fato porque é com os poderes de fato que se fazem negócios. E um Estado vive dos negócios que faz. E o problema é que em 2018 a Gazprom, a empresa estatal russa fechou um acordo com a Bolívia para explorar o campo de gás de Vitiacua, no Chaco, que tem um produção estimada de 12 milhões de metros cúbicos diária. A produção total da Bolívia hoje é de 60 milhões de metros cúbicos e três quartos é exportada para Argentina e Brasil.

A Rússia, herdeira da tradição dos impérios Russo e Soviético, como uma potência regional que é hoje, mas que tem ambições em escala mundial, atua sempre de forma pragmática de modo a atingir seus interesses estratégicos. Logo no começo da Guerra na Síria, a Turquia derrubou um caça russo e um de seus pilotos acabou morto, no terreno, pelos 'rebeldes' do Estado Islâmico. Putin em vez de declarar guerra total à Turquia, aproveitou a oportunidade para firmar negócios com Erdogan, criando uma cunha na OTAN, com a venda de sistemas de defesa aérea S-400 e de construção de um gasoduto para exportar petróleo e gás para a Europa sem depender do gasoduto que pela pela Ucrânia e do gasoduto que Nord Stream 2, que passa pelo norte da Europa.

O mesmo aconteceu quando Israel provocou o bombardeio de um avião de espionagem russo matando toda a sua tripulação. Putin, sem entrar em guerra com Israel, respondeu com a entrega de sistemas de defesa S-300 para a Síria. Quem tem vocação para inserção na política mundial ou mesmo regional - e o Brasil pela sua dimensão territorial e projeção econômica deveria obrigatoriamente ter, se tivesse uma classe dominante com outra vocação que não fosse a de vender o destino do próprio povo ao melhor preço, evitando confrontos desnecessários com países amigos e vizinhos, com quem estamos condenados a conviver - gostemos ou não de seus governantes de turno - deveria, portanto, agir com a cabeça em vez de priorizar o fígado e o jogo baixo, práticas incompatíveis com o nível de diplomacia historicamente praticado pelo Itamaraty.

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