Antonio Prata
Conan, veadagem e comunismo
Pela proibição de violão, pedestre, mico-leão-dourado, bicicleta e Stevia
O mundo ideal do klan Bolsonaro existe em algum lugar entre os anos 1950 de "Mad Men" —"branco é branco, preto é preto, bicha é bicha, macho é macho" — e o jurássico dos "Flintstones" — "se eu levantar a borduna, todo mundo vai atrás de mim". Um mundo sem os constrangimentos da civilização, as fraquejadas de liberdade, igualdade e fraternidade, digno de homens como Genghis Khan, Conan, o Bárbaro, Brilhante Ustra, Adriano Magalhães da Nóbrega, o Coringa.
Não se pode dizer que, nestes dez meses, o governo fez pouco para promover a marcha à ré histórica. Acabou com o ministério do Meio Ambiente, da Educação, dos Direitos Humanos e da Cultura. O cinema brasileiro agoniza. Legalizamos agrotóxicos proibidos em diversos países.
O clima de "medo, surpresa & forte emoção" colaborou para que a polícia do Rio matasse 1.290 pessoas em seis meses. Um recorde. Outro: de janeiro a setembro, 36 mil armas entraram em circulação e 2019 está prestes a se tornar o ano com mais novas armas registradas desde o início da série histórica, em 1997. Já há mais de 1 milhão de armas (legais) entre nós.
Como, porém, nas palavras de Millôr, "o Brasil tem um enorme passado pela frente", fico a imaginar algumas bandeiras que ainda devem ser levantadas nesta cruzada contra os moinhos de vento do comunismo-gayzista-quilombola-maconheiro-aborteiro-midiático-internacional.
Dieta sem partido, já! Fruta, legume, fibra, low-carb, pouca gordura, isso é tudo estratégia da esquerda pra emascular o Marlboro Man judaico-cristão. Pela revalorização do Amendocrem, do Dip'n Lick e do Miojo, que são a verdadeira tradição culinária brasileira.
Legalização do duelo. Se dois homens precisam resolver seus problemas a bala ou a faca, o estado não tem nada a ver com isso. Interferir na liberdade desses dois indivíduos é o quê? Comunismo. E veadagem.
Campanha do Ministério da Saúde contra o aleitamento materno. O peito é do pai. Se o moleque quer um peito pra ele, que cresça e arrume um. Ou dois. Ou quatro. Ou quantos ele conseguir agarrar. Meritocracia.
Fim da reciclagem. Já esteve num aeroporto tentando jogar fora um mísero palito de dente? "Vidro", "Plástico", "Metal", "Orgânico", "Papel": quando você vai ver, perdeu o avião — e segue com o palito. "Ah, mas a questão do lixo...". "Questão" é mania de esquerda. Direita gosta é de "resposta": pega um desses estados de paraíba, joga tudo lá. Resolve dois problemas numa aterrada só.
Fim das filas nas creches, hospitais, cinemas. Que babaquice é essa de valorizar ordem de chegada? Tem que estar na frente quem é mais forte pra arrancar os outros na base da borduna ou do cartão de crédito.
Se a pessoa não é nem forte, nem rica, nem amiga de ninguém lá na frente, vamos combinar que essa pessoa não conquistou nada e não pode ter vantagens só porque acordou mais cedo ou está há duas semanas acampada na frente de uma creche pra fazer a matrícula do filho. De novo: meritocracia.
Fim das vírgulas. Fim dos acentos. Incineração de gramáticas em usinas termoelétricas. (Tudo isso só serve pra elite arrogante humilhar o cidadão de bem no grupo de zap). Proibição de: violão, alongamento, corrimão, cinto de segurança, faixa de pedestre, faixa de ônibus, ônibus, pedestre, maria-sem-vergonha, mico-leão-dourado, bicicleta e Stevia.
Por fim, quando o último ecologista tiver sido enforcado com a corda do último ukelele, a derradeira guerra cultural será travada para tirar do lado de "guerra" a palavra "cultural", aí colocada pelas hienas do gaymunismo internacional visando infestar a juba dos leões com os piolhos da cultura. A guerra e só: essa é a meta.
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