Luis Fernando Verissimo
Há anos compartilhamos a mesma cama, você em cima e eu embaixo, e você pergunta o que eu quero? E nossas conversas sobre política e costumes? As discussões que varavam a noite?O Comunista limpou a garganta para chamar a atenção.
– Arrem.
Não funcionou. Ninguém respondeu. O Comunista insistiu:
– Ei.
Nada. Silêncio. O Comunista persistiu.
– Ei!
Finalmente, a voz de um recém-acordado:
– Está falando comigo?
– A não ser que tenha mais alguém em cima dessa cama com você, estou.
– O que você quer?
– Como o que eu quero? Há anos compartilhamos a mesma cama, você em cima e eu embaixo, e você pergunta o que eu quero? E nossas conversas sobre política e costumes? As discussões que varavam a noite? A excitante possibilidade, sempre presente, de você pular para cima da cama e cortar a minha garganta? Isso não vale nada? Fomos inimigos íntimos. E de repente esse seu silêncio, essa ingratidão...
– Você está esquecendo as críticas que nós, anticomunistas, ouvimos, com nossa insistência de que havia um comunista sob cada uma das nossas camas. Fomos ridicularizados. Agora ninguém duvida de nós. Estamos no poder!
– Exatamente! É por isso que temos que nos unir e reivindicar o que é nosso. O comunista sob cada cama existia. Eu não passei todos esses anos sob sua cama como um urinol, ouvindo sua babaquice reacionária, por gosto.
– O que você quer?
– Não sei... Algum posto no governo, talvez. Compensação por serviços prestados como comunista sob camas. Dizem que o Queiroz consegue uma boca pra gente.
– Espera um pouquinho. Você esqueceu que é comunista. Quem vai dar emprego para comunista num governo de direita?
– É mesmo! Quer dizer que foi tudo em vão?
– Foi. Agora cala a boca e deixa eu dormir.
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