Faz parte do folclore da família a vez em que eu, com meus 9 ou dez anos de idade, tive que me levantar na sala de aula e responder a uma pergunta da professora. Hoje, eu entendo que a pergunta (de geografia) fora normal e nenhuma intenção malévola a motivara, mas na hora não tive dúvida de que a professora a escolhera especificamente para me arrasar. Vi a fúria brilhar nos seus olhos, juro que ouvi a sua gargalhada de bruxa – coitada da dona Ilka – e senti que se organizava entre meus colegas de aula uma vaia impiedosa, fosse qual fosse minha resposta.
– Senhor Verissimo, qual é a população da China?
A população da China! Como eu ia saber a população da China? Quem sabia a população da China? De onde eu poderia tirar a população da China? Eu obviamente perdera aula em que tinham aprendido qual era a população da China. E agora? Fazer o quê?
As opções:
Fugir. Tentar chegar na porta antes da dona Ilka – que, na sua condição de bruxa, voaria até a porta e barraria meu caminho. Fingir que me dirigia para a porta mas mudar rapidamente de rumo, enganando a dona Ilka, e me atirar pela janela. A vantagem desta opção seria que eu provavelmente quebraria alguma coisa na queda pela janela, causando grande preocupação em todos, que trocariam o desprezo por mim e minha ignorância pela pena, me visitariam no hospital, etc. e esqueceriam a população da China.
Negociar. Pedir para falar em particular com a professora. Inventar uma história de privações e tragédias na família que me impediam de estudar, daí minha pouca informação sobre a população da China. Chorar um pouco.
Radicalizar. Pedir para falar em particular com a professora – e sequestrar a professora!
No fim, optei pela simplificação.
– Senhor Verissimo, qual é a população da China?
Respondi:
– Numerosa.
*
Me lembrei desta história porque soubemos uma do nosso neto, com oito anos. A professora perguntou quando a letra “O”, em final de palavra, tem som de “U”. Resposta dele, fiel a uma tradição da família:
– De vez em quando.
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