Para a violência bolsonarista, tempo é tudo; tempo a magistocracia sabe entregar
Para um Estado de Direito funcionar, não basta recrutar bacharéis que recitam leis e jargões, chamá-los de juízes e promotores, conferir-lhes garantias de independência e apertar o play. É recomendável saber quem são, de onde vêm, como pensam e por quanto se vendem. E deixar claro o que deles se espera ética e intelectualmente. E controlá-los.
Entre os obstáculos que emperram o Estado de Direito no Brasil, a hegemonia da magistocracia no sistema de justiça é dos mais ignorados. A magistocracia corresponde à fração de juízes e promotores que parasitam o interesse público e alimentam a corrupção institucional. Sua faceta rentista é só a mais visível.
A magistocracia rifa a legalidade e perde a dignidade, mas não perde a pecúnia. Vive e pratica o lema "crises econômicas são oportunidades, férias para vender, recessos para descansar e leis moralizadoras para retorcer". Se o teto salarial limita a remuneração, que a corporação enriqueça por meio de "verbas indenizatórias", mesmo que a distinção seja espúria.
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Sabe-se que em torno de 35% da renda da magistocracia é composta por "extras", em geral isentos de impostos, e que algo próximo de 70% recebe acima do teto. Na pandemia, buscou ser vacinada primeiro. Como o trabalho remoto trouxe economia, aproveitou para quitar passivos acumulados com o dinheiro poupado. Procure saber que "passivos".
Em 2020, só com férias vendidas, o Judiciário gastou pelo menos R$ 423 milhões (revista Piauí). O "pelo menos" se deve à falta de transparência de alguns tribunais, como o TJ-RJ. O TJ-SP gastou R$ 116 milhões para "comprar" férias. O TJ-MG gastou R$ 326 milhões em auxílios.
Sobreviver no centrão magistocrático é mais fácil que no centrão partidário, pois não dependem de voto nem de eleitor. Precisam ter amigos na política, fazer permutas de legalidade e negociações de constitucionalidade. Centrão partidário e centrão magistocrático se ajudam.
Vejam Arthur Lira. Nessa semana, visitou o TJ de Alagoas. O mesmo tribunal que julga sérias acusações contra ele, de corrupção a violência doméstica. Seu presidente, Kléver Loureiro, investigado pelo CNJ, é defendido pela dupla de advogados de Lira. Kléver Júnior, que disputou a Prefeitura de Japaratinga, recebeu apoio público de Lira. "Demandas do Judiciário serão bem recebidas na Câmara", disse Lira, como noticiou site do próprio TJ.
Mas a magistocracia não é só rentista —é também autoritária e colaboracionista. Isso soa como hino militar nos ouvidos de Jair Bolsonaro. A acusação de crime tem pairado sobre si e sua família, e o risco de proteção judicial de liberdades constitucionais afronta seu governo. O processo de cooptação desse outro centrão está inconcluso, mas em disputa.
Augusto Aras tem feito sua parte. Para disfarçar seu passivo colaboracionista, depois de jogar o desastre de Manaus nas costas de prefeito e governador, abriu inquérito contra Pazuello e procedimento preliminar, que nem inquérito é, contra Bolsonaro. Iniciativas bem recortadas juridicamente para desconversar sobre os fatos e crimes mais graves e arquivar o mais rápido possível. Se a gratidão fosse a virtude de Jair, a vaga no STF já teria dono.
O cordão obstrucionista que a magistocracia armou para postergar ao infinito os casos criminais de Flávio Bolsonaro perpassa a gaveta de Gilmar Mendes no STF, algumas gavetas do STJ e do TJ-RJ.
No STF, três inquéritos afetam interesses imediatos de Bolsonaro: investigam bolsonaristas por fake news, atos pelo golpe militar encorajados por Bolsonaro, e intervenção do presidente na Polícia Federal.
São administrados como bombas de contenção, com resultados ainda incertos.
Também vêm do STF demoras úteis ao projeto bolsonarista, como proteção de indígenas e presidiários na pandemia, ou mesmo casos antigos que pisam na veia bolsonarista, como do tráfico de drogas, que dormita em gaveta esplêndida há seis anos, ou dos direitos de mulheres.
Para a violência bolsonarista, tempo é tudo. Tempo a magistocracia sabe entregar.
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