A dificuldade de erradicação não significa que as mortes e o isolamento continuarão na escala atual
O futuro a Deus pertence, dizia minha avó. Em relação ao futuro do atual coronavírus, no entanto, os modelos matemáticos permitem fazer algumas previsões.
A revista Nature, uma das publicações científicas mais respeitadas do mundo, perguntou para 100 pesquisadores nas áreas de epidemiologia, infectologia, virologia e imunologia se o coronavírus que se dissemina pelos quatro cantos será erradicado.
Responderam que o vírus continuará a circular em bolsões espalhados pelo mundo 89% dos cientistas entrevistados. Segundo eles, o Sars-CoV-2 se tornará endêmico, isto é, sua transmissão persistirá por anos ou décadas em várias regiões do globo.
Quando a pergunta foi se ele será eliminado pelo menos em alguns países, apenas 40 % julgaram que isso seja provável.
A dificuldade de erradicação, entretanto, não significa que o número de mortes e a necessidade de isolamento continuarão na escala atual. O futuro dependerá de dois fatores cruciais. Um é a duração da imunidade adquirida por infecção natural e pela vacinação. Outro são as características das variantes que emergirão.
Os quatro coronavírus anteriores, causadores de resfriados comuns, e o vírus da gripe (influenza) também são endêmicos, mas convivem com a humanidade sem lockdowns e medidas restritivas ao convívio, embora a gripe cause no mundo pelo menos 650 mil mortes anuais.
Certamente, haverá países que chegarão à imunidade coletiva por meio da vacinação da quase totalidade de seus habitantes.
Ainda assim, sobrarão pessoas suscetíveis que correrão risco de adoecer, pela reintrodução do vírus trazido por viajantes oriundos de áreas em que a aderência às medidas de prevenção e os índices
de vacinação sejam baixos.
É provável que em países como o nosso, daqui a dois ou três anos, passe a existir algum grau de imunidade induzida pela doença ou pelas vacinas, capaz de nos proteger contra casos como os que
agora superlotam as UTIs.
Quando esses níveis de proteção forem alcançados, o primeiro encontro com o Sars-CoV-2 se dará na infância, fase em que os sintomas da Covid são brandos, semelhantes aos dos resfriados comuns.
Essa possibilidade faz sentido. Quatro dos outros coronavírus causam resfriados em seres humanos há centenas de anos; dois dos quais respondem por 15% das infecções respiratórias. A maioria das crianças infectadas por eles antes dos seis anos de idade desenvolve imunidade temporária, que não evita novos resfriados, mas assegura proteção contra quadros mais graves na vida adulta.
Não é possível prever se a imunidade contra o Sars-CoV-2 seguirá os mesmos passos. Os estudos mostram que os níveis de anticorpos neutralizantes produzidos contra ele começam a cair depois de seis a oito meses da doença, mas permanecem células de memória capazes de respostas imunológicas mais rápidas se houver nova infecção. Apesar de ocorrerem reinfecções pela mesma ou por variantes novas, esses casos são relativamente raros.
Ao contrário da situação atual de pandemia, mantida pelo grande número de indivíduos suscetíveis, a fase de endemia será atingida quando o número de novas infecções se mantiver relativamente estável no decorrer de anos, embora possam acontecer surtos esporádicos.
A gripe espanhola de 1918 levou 50 milhões à morte. Desde então, praticamente todas as epidemias de influenza A que se disseminaram pelo mundo foram causadas por variantes descendentes daquela de 1918. Um vírus se torna sazonal, isto é, passa a atacar em determinadas épocas do ano, quando a maior parte da população está imune a ele —por contato prévio ou vacinação.
É difícil prever quando um país como o Brasil, sem disponibilidade de vacinas em número suficiente e com tanta dificuldade em conseguir que a população use máscara e evite aglomerações, atingirá a sonhada imunidade coletiva. Quanto tempo levaremos? Um ano ou dois? Os piores dias ainda estão por vir?
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