Do Paradoxo Tostines ao Dilema Moro: resposta simples! Moro foi incompetente porque, desde o início, já era suspeito! Por isso, antes de ser um juiz incompetente, foi um juiz SUSPEITO! Dilemas têm respostas. Paradoxos, não! pic.twitter.com/vdx1NPtqaE
— Lenio Luiz Streck (@LenioStreck) April 12, 2021
A suspeição e a incompetência de Moro: paradoxo ou dilema?
Por Lenio Luiz Streck, Marco Aurélio de Carvalho e Fabiano Silva dos Santos*
Há muito tempo havia uma propaganda que ficou conhecida popularmente como “o dilema Tostines”, uma brincadeira bem construída para vender biscoitos. “Tostines vende mais porque é fresquinho, ou é fresquinho porque vende mais?” Na verdade, tratava-se do “paradoxo Tostines”, e isto porque o dilema comporta uma escolha, mas o paradoxo, não. Um dilema sempre oferece uma saída; diferentemente do paradoxo.
Daí a pergunta: a questão da prevalência da incompetência ou da suspeição (uma sobre a outra) de Moro no caso dos habeas corpus do ex-presidente Lula é um dilema ou um paradoxo? Temos uma saída?
Afinal, Moro era suspeito porque já se sabia incompetente ou, por ser suspeito, não se declarou incompetente? Eis o dilema que explicaremos. Sim, dilema. Pois, diferentemente do paradoxo Tostines, aqui, há uma clara solução.
Evidências científicas: há três anos a defesa técnica do ex-presidente sustentava a incompetência. Essa era uma posição pacífica no STF (Fachin confirmou isso recentemente). Moro sabia que não tinha competência. O MPF também sabia. Todos sabiam e sempre souberam. Logo havia um juízo incompetente que tinha como condutor um juiz suspeito. Isto é: só um juiz suspeito para não reconhecer o óbvio. Porque já se sabia que se sabia.
E por que ele era suspeito? Simples: porque era incompetente. Mas por que, em sendo incompetente, assim não se declarava? Aí é que está: por causa de sua suspeição-parcialidade. Ou ser incompetente, saber-se incompetente e não se declarar incompetente não é já ser parcial-suspeito?
Causa finita? Sim. Todavia surge um problema. É que, induvidosamente, o ministro Fachin declarou monocraticamente a incompetência, apostando — estrategicamente — que a suspeição fosse ceder a um argumento maior, o da incompetência. Entregou um “cavalo para ficar com o bispo”.
O STF terá de dizer, na quarta-feira, dia 14, o que é mais grave, a suspeição ou a incompetência. O que vem antes? É mais grave um juiz ser suspeito ou ele decidir mesmo sendo incompetente?
Não há registro na história da jurisprudência pátria da hipótese de um juiz ser, ao mesmo tempo, suspeito e incompetente. Nunca um juiz reuniu, em um só corpo, essas duas “qualidades”. Nem nos exemplos de livros de processo alguém aventou essa hipótese.
Em face do inusitado, cabe a pergunta: esses dois elementos processuais — incompetência e suspeição — são estanques? Não se comunicam? Porque, ora, não se trata de um “paradoxo de mais ou menos gravidade”: o juiz incompetente decidiu enquanto incompetente, porque juiz suspeito-parcial, sabendo-se incompetente e decidindo ainda assim. Teria havido, durante mais de três anos, algo como “os dois corpos de Moro”, parafraseando a estratégia que vem desde Henrique VII (1495) de que o rei tinha dois corpos — e tão bem contada por Kantorowicz?
Isto é: o corpo 1, do Moro suspeito, não falava com o corpo 2, do Moro incompetente? Ou o corpo 2 do Moro incompetente não sabia nada sobre a suspeição do corpo do Moro 1? Eis o dilema. E não um paradoxo.
Embora o “paradoxo Tostines” não tenha solução, no caso dos “dois corpos de Moro” há, sim, uma escolha e uma resposta — porque se trata de um dilema, e é até fácil de explicar. Assim:
(i) pela vontade de julgar o réu, parece evidente que a suspeição antecedeu à incompetência;
(ii) juridicamente, no mundo dos fatos, a questão da territorialidade sempre existiu;
(iii) na verdade, juízo incompetente é como uma espécie de “fato bruto” — à espera da imputação (fato institucional);
(iv) no exato momento em que Moro recebe a denúncia, ele o fez porque era suspeito. Os dois corpos, digamos assim, sempre se comunicaram!
Para sermos mais claros e podermos responder ao “dilema Moro”: se não fosse suspeito, teria reconhecido a incompetência do juízo.
Dito de outro modo: sabendo-se incompetente, porque suspeito, Moro não reconheceu a própria incompetência. Ou não? Felizmente, prevaleceu a lei: Moro é incompetente e é suspeito, e uma coisa não se separa da outra, muito menos anula. Juiz incompetente e suspeito, declarado incompetente, deixa de ser suspeito? A resposta parece evidente.
Moro disse, “declamando” Édith Piaf: “Je ne regrette rien” (não me arrependo de nada). Acreditamos. Mas talvez fosse melhor, em vez de “Piá” (sic), lembrar Octave Mannoni. Porque a psicanálise sempre ajuda. “Je sais bien, mais quand même”. Eu sei bem, mas mesmo assim... Explicamos: num ensaio célebre, o psicanalista francês fala sobre a paradoxal (e vejam como os paradoxos sempre aparecem...) negação dos constrangimentos, mesmo quando estes são reconhecidos. “Uma crença pode ser mantida e abandonada ao mesmo tempo”, diz Mannoni. Pois é. Moro sabia bem que não podia. É claro que sabia. Mas esmo assim... E esse é o busílis.
O “paradoxo Tostines” pode não ter resposta. Já o “Dilema Moro” tem. Simples assim. Ou seja, diante da pergunta “Moro é suspeito porque é incompetente ou é incompetente porque é suspeito?”, a resposta correta é: Moro foi incompetente porque foi suspeito. Logo, sendo a suspeição algo personalíssimo, subjetivo, precede a incompetência, contamina e anula, por natural, todos os processos e atos processuais que envolvem o réu-alvo.
Numa palavra final. São vários os dilemas que surgem no nosso Direito. Agora, diante da entrevista de Fachin (à revista “Veja”) de que pretende fazer com que o plenário do STF considere a suspeição prejudicada, podemos perceber ainda outro dilema: Fachin declarou a incompetência para salvar o juiz da suspeição ou pode acabar salvando o juiz da suspeição porque declarou a incompetência?
Bem, deixamos a resposta do dilema ao leitor — e, institucionalmente, à nossa Suprema Corte. De nossa parte, é certo, podemos dizer: não é um paradoxo. Embora seja paradoxal em se tratando de Direito. E não deveria ser assim.
P.S.: O Grupo Prerrogativas jamais, em circunstância alguma, “pressionou” qualquer ministro do STF. Ao contrário. Sempre foi e será um amicus da Corte. Mas não se furtará, evidentemente, a denunciar estratégias processuais e interpretações regimentais heterodoxas para que determinado e específico objetivo seja atingido. Como dissemos, e aqui reiteramos, eleições devem sim ser disputadas nas urnas.
Com o voto popular e sem malabarismos!!!
Simples assim.
*Advogados, integrantes e fundadores do Grupo Prerrogativas
Nenhum comentário:
Postar um comentário