Aproveitar-se da pandemia para agravar a subordinação de domésticas só encontra explicação na violência colonial
No Brasil, existem várias pandemias dentro do quadro geral de terror produzido pelo vírus e criminosamente exacerbado pelos atos e omissões do comandante em chefe do genocídio. Uma dessas pandemias se alastra quase oculta da porta para dentro dos lares brasileiros ricos e de classe média.
A repórter Fernanda Santana, do Jornal Correio, da Bahia, conseguiu abrir uma fresta para o agravamento da exploração de trabalhadores domésticos, universo composto em sua maioria por mulheres, negras e chefes de família. A reportagem mostra que o sindicato baiano da categoria registrou 28 pedidos de socorro de empregadas coagidas a permanecer na casa dos patrões. Eles não querem correr o risco de adoecer caso elas se contaminem durante a folga.
Com medo de perder o emprego, muitas acabam se sujeitando ao abuso, espécie de escravidão pandêmica. Uma delas esteve confinada de março de 2020 a fevereiro deste ano, quando pediu demissão.
Outras ficaram enclausuradas por meses. O trabalho doméstico já é de muita vulnerabilidade, já que a maioria não tem carteira assinada nem recebe salário mínimo. Aproveitar-se da pandemia para agravar a subordinação dessas mulheres só encontra explicação na violência colonial que resiste entranhada em nosso tecido social.
A frase dita de maneira distraída por Daniel Cady, marido de Ivete Sangalo, numa rede social, também nos faz refletir sobre uma sociedade estruturada em camadas de servidão. Ele atribuiu a contaminação da família à cozinheira. “Esse lance de o funcionário passar uma semana aqui e folgar…”, lamentou-se. Depois, pediu desculpas.
Sei de gente que, com sacrifício, está pagando para que a empregada fique em casa, com sua família e em condições de se sustentar. Muitos outros, em melhor condição financeira, poderiam fazer o mesmo e ainda ajudar a manter um negócio comprando refeições prontas. A pandemia nos dá a oportunidade de mostrar o melhor e o pior de nós, como indivíduos e sociedade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário