O paradoxo de Bolsonaro
Atribui-se a Eubulides de Mileto o paradoxo do monte (“sorítes”). Um grão de areia obviamente não constitui um monte. Se eu adicionar um segundo grão ao primeiro, ainda não tenho um monte. Nem com um terceiro. Mas, se eu continuar com esse processo, em algum momento eu chegarei lá. De quantos grãos eu preciso para fazer um monte?
O diálogo entre Jair Bolsonaro e o senador Jorge Kajuru pode sem grandes pinotes interpretativos ser enquadrado como mais um crime de responsabilidade, ou até dois, se valorizarmos a linguagem chula.
Pelas contas da Folha, em janeiro já havia 23 situações que poderiam ser classificadas como crimes de responsabilidade do presidente. Nos últimos três meses, Bolsonaro adicionou novos itens à lista. Quantos delitos mais ele precisa cometer para que tenhamos um monte de ilícitos e o Congresso decida pará-lo?
Filósofos, matemáticos e linguistas estão há 2.500 anos propondo soluções engenhosas para paradoxos como os de Eubulides, que fazem recurso à indeterminação ou à vagueza dos termos. Numa delas, a filósofa Diana Raffman traz a noção de histerese e sustenta que os limites em que os termos serão usados são elásticos e se relacionam com a história dos objetos.
Assim, se um objeto já era reconhecido por todos como um “monte de areia”, poderá continuar a ser chamado de monte mesmo que perca uma quantidade de grãos que, fosse outro o objeto, levaria a um rebaixamento de monte para pilha.
Vincular a categoria à história, porém, pode ser diabólico quando lidamos com questões institucionais. É mais ou menos o que estamos presenciando. Quanto mais crimes de responsabilidade Bolsonaro comete, mais nos acostumamos com a situação e mais difícil fica estabelecer que ele já excedeu o limite que exige uma ação. Em suma, quanto mais ele viola a lei, menor a possibilidade de que venha a ser punido —o que nos leva a uma outra família de paradoxos.
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