No dia 9 de novembro de 1889, uma semana antes da Proclamação da República, a monarquia não poderia estar mais alheia à realidade. Ignorando completamente o momento político do país, a realeza promoveu um baile suntuoso, gastando para isso um orçamento equivalente a 10% do orçamento total da Província do Rio de Janeiro, o que seria hoje o equivalente ao Estado do Rio.
Carta escrita por uma jovem da época, publicada na revista Veja História, descreve o baile como um “local encantado e habitado por fadas”. Com o país à beira de uma reviravolta, a Corte vivia em um mundo à parte.
O Último Baile do Império (óleo sobre tela, Francisco Figueiredo) |
Hoje, a sensação é a mesma. Não temos governo, temos realeza. Sua Majestade Jair 00 passeia de jet ski enquanto o povo sufoca até a morte. A Corte, agora conhecida como “centrão”, preocupa-se mais em aprovar projetos de lei para empurrar suas próprias vacinas, de preferência passando por cima da Anvisa. Também é urgente para a Corte aumentar o teto de reembolso de saúde dos deputados em 170%. Devem estar preocupados com o custo da UTI em dólar, já que no Brasil até o setor privado entrou em colapso.
No Ministério da Saúde, gastou-se verba pública para pôr o charme de influenciadores a serviço do kit covid. E o Conselho Federal de Medicina, em meio a maior crise sanitária da história, emite nota de repúdio contra a revalidação do diploma de médico emitido fora do país, porque isso coloca em risco a vida dos brasileiros, mas não emite nota contra a prescrição de curas milagrosas que, surpreendentemente, também colocam em risco a vida dos brasileiros. Na Ilha Letal, onde as fadas podem ser substituídas pelos fantasmas dos três senadores ceifados pela pandemia, tudo é possível.
Do lado de cá, no mundo real, pessoas morrem. Mas os defensores da Coroa, que ignoram a realidade mesmo sem convite para o baile, não gostam de ter seus “direitos” tolhidos. Como crianças mimadas, fazem birra. Como assim, não posso ir à praia? Ao shopping?
Mentem para si mesmos. O Brasil não está tão mal assim, se você olhar os números certos. Em mortes por milhão, dizem eles, tem gente muito pior. E excluem os dados que importam: o Brasil tem 3% da população mundial, mas concentra 12% das mortes. No meio desta semana, um de cada três mortos por Covid no mundo era brasileiro.
O Brasil parece uma classe de educação infantil onde o professor saiu, e quem ficou tomando conta da sala foi o líder da turma do fundão, o bully agressivo que tem raiva de todo mundo.
Essa coluna deveria ser sobre ciência. Chama-se, afinal, A Hora da Ciência. Infelizmente, a ciência já não tem hora nem vez no Brasil. Dizem que quando D. Pedro II chegou ao Baile da Ilha Fiscal, teria tropeçado, e ao se recompor, teria dito: “O monarca escorregou, mas a monarquia não caiu”. Uma semana depois, veio a Proclamação da República. O Presidente Jair Bolsonaro disse que não seria uma gripezinha que iria derrubá-lo. Não, presidente. A gripezinha derrubou o país. O senhor segue dançando, no Baile da Ilha Letal. Dança sobre os mortos do Brasil.
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