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sexta-feira, 15 de maio de 2020

A farsa do exame de Covid-19 de Bolsonaro não tem fim

Curioso caso de falsidade ideológica de Bolsonaro

Marcelo Rubens Paiva

Ao mostrar o resultado com o nome falso no exame de Covid-19, presidente Jair Bolsonaro (codinome Airton Guedes no dia 12/03/2020 para o Sabin Medicina Diagnóstica, Unidade do Hospital das Forças Armadas, e Rafael Augusto Alves da Costa Ferraz do dia 17/03/2020 para o Sabin, Unidade SAAN) cometeu delito.

Os três têm o mesmo CPF (453.178.287-91) e RG (3.032.827 SSP/DF).

O verdadeiro Rafael Augusto Alves da Costa Ferraz tem 16 anos e mora no Distrito Federal. O Sabin disse que recebeu os codinomes do hospital. Pela ficha do laboratório, o adolescente teria nascido em 21/03/1955. A mesma data que o presidente.

Ele é filho de uma major que frequenta o hospital.

A farsa não tem fim. Para provar que o presidente não teve o Covid-19, deveria ter sido feitos os exames (relacionados a anticorpos) de sangue de sorologia IgA e IgG. Ele apresentou apenas o PCR, que prova que ele supostamente não estava excretando o vírus na data da coleta.

Ou seja, o país continua sem saber se o presidente teve ou não Covid-19, isto é, se tem anticorpos dele pelo sangue.

Mais. As médicas Stella Taylor Portella, Luiza Gomes Neta, e o técnico José Gastão da Cunha Neto (CRM-DF 11.924), não checaram os documentos de quem colhiam o material genético por cotonetes da garganta e nariz? Não perceberam que era o presidente das República, ou foram coagidos?

Artigo 299 do Código Penal Brasileiro:
“Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.”
É tipificado pelo popular crime de falsidade ideológica.

Torna-se delito se a declaração num documento verdadeiro, como um laudo médico, sobre fato juridicamente relevante.

A informação de que uma autoridade pública, o presidente, tem uma infecção contagiosa, que se transmite pelo ar, realiza encontros públicos sem a devida precaução, não é juridicamente relevante?

Para o cidadão comum, a lei prevê duas penas distintas:

Reclusão de um a cinco anos e multa, se o documento objeto da fraude é público.

Reclusão de um a três anos e multa, se o documento for particular.

Mas há um detalhe: “Parágrafo único. Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte”.

Quem faz a denúncia?

terça-feira, 5 de maio de 2020

Bolsonaro é situação e oposição ao mesmo tempo

Marcelo Rubens Paiva

Parece incrível, mas Jair Bolsonaro, como chefe da Nação, se apropria do discurso da situação como um opositor.

Seu ministério diz uma coisa, ele faz outra e o critica. Se seu governo propõe o distanciamento social, ele critica.

Se sua política é não praticar a velha política, ele libera fundos ao antigo Centrão, a engrenagem do Poder, de um Congresso que critica e sugere fechar.

Se diz o escolhido pelas urnas, mas contesta o resultado, de uma democracia que contesta e ameaça.

Apesar de majoritariamente votado na última eleição, ele contesta o resultado das urnas, como um derrotado.

Se a China é o maior aliado de seus apoiadores do agronegócio, ele a critica e sofre retaliação.

Critica publicamente ministros, antigos aliados, governadores da sua base, rompe com a situação de Estados favoráveis a seu programa, tornando-se o maior opositor de políticos que se elegeram graças a ele.

Toda a imprensa é lixo, mas lá está ele dando exclusivas a alguns canais.

Não torce para apenas uma agremiação. Veste a camisa da maioria dos times de futebol. Especialmente as dos vencedores.

Desfila com a bandeira de Israel, numa clara apropriação. A lembrar que o Templo de Salomão, em São Paulo, da Igreja Universal do Reino de Deus, é réplica do templo do filho de Davi, rei de Israel. Na inauguração, em 2014, o bispo Edir Macedo, um aliado, com quipá e talit, mais parecia um rabino. E Silas Malafaia, não mais aliado, já declarou: “Para nós, o Deus de Israel é o nosso Deus. Não tem nenhuma absolutíssima diferença”.

Pode ser tática. Pode ser loucura.

O certo é que, no momento em que o país mais precisa de um líder, temos um que nega sê-lo.

sábado, 11 de abril de 2020

Pandemia no Brasil pode ser catastrófica



Tudo leva a crer que o Brasil pode ter um dos piores cenários da pandemia. O otimismo que havia, por termos sido um dos primeiros a adotar a quarentena, por estarmos no verão e termos um SUS forte e experiência com epidemias virais, se desfaz.
A falta de senso coletivo faz do direito de ir e ir sobrepor o dever de não colocar a saúde de outros em risco.

Quando o chefe da Nação, o único líder do mundo a não seguir regras de distanciamento social, sai às ruas, cumprimenta as pessoas e diz que tem o direito de ir e vir, quem segue as regras e teme a extensão do entra em pânico.

Pois a fuga do isolamento dele, incentivando outros a fazerem o mesmo, implica em mais tempo de isolamento nosso, mais gente nos hospitais e mais demora para retomarmos as atividades.

Tudo leva a crer que o Brasil pode ter um dos piores cenários da pandemia. O embaixador da Alemanha, Georg Witschel, pede retorno imediato de cidadãos no Brasil por causa da covid-19. “Há temores de que a situação aqui se agrave rapidamente”, alertou.

O otimismo que havia, por termos sido um dos primeiros a adotar a quarentena, por estarmos no verão e termos um SUS forte e experiência com epidemias virais, se desfaz.

O frio começa a chegar. Tudo que nos outros países deram certo, aqui não funciona:

Testar o maior número de pessoas. Aqui faltam testes.

Monitoramento dos casos positivos. Aqui, não rola.

Lockout. Aqui não houve.

Ficar em casa. Aqui, relaxam.

Faltam máscaras e luvas para todos.

Sem contar que nos países que estão sendo bem-sucedidos no combate à epidemia, não existe uma população desassistida de rua, nem uma quantidade expressiva de habitantes vivendo na informalidade, sem água, esgoto ou em barracos amontoados, garimpeiros entrando em terras indígenas, madeireiros invadindo reservas. Estamos ferrados.

O texto da amiga jornalista Lorena Calabria, publicado no Insta, é um alerta:

@lorenacalabria “Tudo indica que sim”, disse o médico. POSSO TESTAR? “Como são poucos, os testes devem servir a profissionais da saúde e pacientes em estado grave.” Penso: alguém precisa mais do que eu, certo? ️QUANDO COMEÇOU? Dia 16/3: dor de garganta e tosse seca. Durante a semana, DORES INTENSAS pelo corpo. Fadiga extrema; não conseguia ficar em pé. Perdi olfato e paladar. Tive calafrios e FEBRE (38C), que oscilou por 5 dias ️PIORA na 2a SEMANA: mais sintomas: tontura, dor no abdômen, enxaqueca no meio da madrugada. No 10°dia, começa FALTA DE AR. 12° dia, acordo ofegante, pressão no peito. Médico recomenda ir ao hospital. Nível de oxigênio no sangue normal, mas… tomografia mostra INFILTRAÇÃO no PULMÃO direito. Tive medo do que poderia vir depois. Respirador? Vou ser entubada? Coração e rins, vão aguentar? Me deram alta; fui pra casa. Decidi não ler mais sobre casos graves e óbitos. Já sabia o suficiente ️PRESCRIÇÃO MÉDICA: antibiótico (para evitar infecção secundária), remédio pra tosse, além da dipirona que já tomava para diminuir as dores. Parti para dieta líquida. Era o que conseguia engolir. 💡A MELHORA: no 18° dia, meu corpo começa a reagir. Nos dias seguintes, os sintomas foram diminuindo. Hoje, 26° dia, não sinto gosto de quase nada. Perdi 4kg. O fôlego ainda é curto. Mas o pior já passou 💎CUIDADOS: além do apoio da minha família, foi fundamental a presença dos amigos, com mensagens de carinho e atenção. Vou guardar pra sempre! 🍀A MEU FAVOR: alimentação saudável, atividade física, não fumante, sem doença anterior. Mas o RISCO todos nós corremos. Todos! ️SALDO: sequelas respiratórias? Só saberei daqui a uns meses. No momento, só consigo pensar em MILHARES de pessoas que não terão acesso a atendimento médico, que VÃO MORRER da pior forma. E no esforço tamanho de tantos profissionais da saúde na linha de frente dessa guerra☝🏽COLABORAR: Quem puder, faça doações. Quem não puder, ofereça ajuda a um amigo, parente, vizinho. 💣TIPO UMA GRIPE FORTE, VOCE É SAUDÁVEL, LOGO PASSA”: pra quem ainda pensa assim, espero que minha experiência sirva de alerta. Nunca senti meu corpo tão indefeso. A sensação é de estar se afogando no seco. Queira, não.

Só basta dizer: #FICAEMCASA.

E torcer pelo poder decisório de governadores e prefeitos que impulsionam o isolamento social.

sábado, 8 de fevereiro de 2020

O mundo da precariedade


Marcelo Rubens Paiva

Outro dia, numa sorveteria de alto padrão, vi uma menina chegar numa bike alugada do Itaú, com uma mochila verde-limão da Uber Eats, para levar um pedido feito via iFood. Tem maluco que compra sorvete via aplicativo. E ela fatura. Quanto? Menos do que mil reais, trabalhando 12 horas por dia. Mas melhor do que ficar em casa, disse. Se cair e bater a cabeça num poste, fica.

O capitalismo repete na Revolução Tecnológica a crise que alimentou na Revolução Industrial: colapso nos mercados financeiros, bolhas nas bolsas, desemprego alarmante, miséria, fome, descrédito do regime de representações, ondas de imigração, uma desigualdade social escandalosa e, acima de tudo, precariedade no trabalho.

A era dos magnatas (Andrew Carnegie, rei do aço, John D. Rockefeller, barão do petróleo, Jay Gould, das ferrovias, e J. P. Morgan, banqueiro), que inventaram a chamada “supereconomia americana”, segundo Charles Morris (em O Magnata), levou os Estados Unidos à liderança: país mais rico em renda per capita, disponibilidade de recursos naturais, produção industrial, valor das terras produtivas e fábricas, com excedente a ser exportado.

Seus inovadores nasceram pobres. Venderam a noção da terra das oportunidades, num sistema econômico democrático e livre em que só isso era possível, em contraste com uma Europa decadente e aristocrática, em que a herança sanguínea tinha mais valor do que visão para os negócios.

Logo, a insatisfação popular, com o desemprego da automação e a pobreza, levou democracias a entrar em crise. O mundo enlouqueceu, fanatizou-se. Nasceram regimes autoritários e ressentidos, em que o Estado era tudo, o indivíduo, nada: nazi-fascismo, salazarismo, franquismo. Ditaduras avançaram sobre a Itália, Alemanha, Grécia, Portugal, Espanha e em todo Leste Europeu. E, o pior de tudo, o nacionalismo vingou. Para piorar, mergulhamos em guerras globais.

A dinâmica do capitalismo europeu logo encontrou uma solução: o Welfare State. Aliou-se a fortes estruturas sindicais, tornou saúde e educação gratuitas e protegeu seus cidadãos desempregados, deficientes, perseguidos, aposentados. Cedeu em negociações trabalhistas. O sistema avançou. Direitos civis e o respeito aos direitos individuais passaram a ser política de Estado. O mundo caminhou para uma utopia social-democrata. Até...

Nos anos 1960 nasceu a Arpanet, projeto militar para interligar computadores via linha telefônica. Em caso de ataque nuclear, o presidente americano teria como se comunicar com seu sistema de defesa e acionar a retaliação.

Com a popularização do computador pessoal e um sistema operacional eficiente, nasceu a internet, o algoritmo, que virou o mundo do avesso. Mergulhamos numa nova crise capitalista: de novo precariedade no trabalho e desemprego, nacionalismo, desigualdade social e ascensão de líderes autoritários. Cada país vem em primeiro ou está acima de tudo.

No Brasil, pesquisa do IBGE revela que o rendimento total dos 10% mais ricos é superior à soma dos 80% mais pobres, numa desigualdade recorde (1% mais rico tem 33 vezes mais que 50% mais pobre).

Novos magnatas surgiram. Que também não nasceram em berço de ouro e fugiram da faculdade. Dados pessoais passaram a ser o novo petróleo. Sua privacidade está sendo negociada agora. Quem fatura? Acionistas.

Herton Escobar descreveu: “Achamos que pesquisamos no Google, mas agora entendemos que é o Google que nos pesquisa. Achamos que usamos as mídias sociais para nos conectar, mas aprendemos que são as mídias sociais que nos usam”.

Adoramos aplicativos. Pouco a pouco, deixamos de comprar abajures nas lojas da rua de lustres e compramos via Amazon. É mais prático, barato, tem nosso cadastro, uma inteligência artificial que sabe tudo o que queremos, mais opções e nos brinda com um streaming com música, séries e filmes.

Deixamos de frequentar negócios familiares, como livrarias, lojinhas de bairro, e resolvemos rapidamente com nosso celular. O supermercado entrega no dia seguinte. Comida? Tem um aplicativo que engloba quase tudo, e, malandro é malandro, agora vende um PF (prato feito) pela metade do preço dos PFs da redondeza.

Negócios falem. Viramos entregadores. Até drones, robôs e veículos autônomos acabarem com nosso bico.

Na série Years and Years (HBO), que, como o nome diz, acompanha 15 anos da família Lyons do Reino Unido, unida e exemplar (com um casal multiétnico, outro gay, numa relação com imigrante sem documento, uma cadeirante feliz com filhos, uma ativista), de 2020 em diante.

Vemos a ascensão de uma Bolsonara, Vic (Emma Thompson), que não frequenta debates, faz suas lives, se lixa para os palestinos, coloca imigrantes em campos de concentração. A crise ambiental dá em enchentes. Ciberataques, em blecautes. Bancos quebram. Até a BBC é privatizada. Rola o fim do Estado de Bem-Estar Social.

A família pergunta o que deu errado. A avó Muriel (Anne Reid), que nasceu no mundo analógico, atesta: A culpa é de vocês, que compravam camisetas por 10. A loja faliu. O produtor ganhava 1. O plantador do algodão, 0,1.

sábado, 5 de outubro de 2019

Como chegamos a esse ponto? Viram no que deu? Não dava para prever?


Reescrevendo a história 

Marcelo Rubens Paiva

Como chegamos a esse ponto? Viram no que deu? Não dava para prever? Política é complexa. Mas a história ajuda a descobrir decisões erradas, traições, expor a ingenuidade dos sujeitos que a fazem.

Numa fria segunda-feira, 20 de fevereiro em 1933, em Berlim, carros estacionaram diante do palácio da chancelaria. Deles descem Gustav Krupp, Wilhelm von Opel, Albert Vögler, Wolfgang Reuter, doutor Stein e outros.

Vestiam casacos pesados, chapéus, e mergulharam pelas escadas e corredores da presidência do Reichstag que seria, em meses, incendiado pelos nazistas, num episódio infame em que culparam os comunistas, justificaram o fechamento do congresso e a instauração da ditadura.

Como Getúlio fez anos depois no Brasil, no episódio conhecido como Intentona Comunista. João Goulart foi deposto em 1964, num golpe civil-militar, para barrar o avanço vermelho sobre nossa terra garrida, em que fulguras, ó Brasil, florão da América. Regime que também por conta de subversivos comunistas virou uma ditadura apenas militar em 1968.

Hermann Goering, presidente do Reichstag, veio acolhê-los, dar as palavras de boas-vindas. Logo evocou as próximas eleições de 5 de março. Queria o apoio financeiro das 24 figuras conhecidas pelo nome jurídico de Basf, Bayer, Agfa, Opel, IG Farben, Siemens, Allianz, Telefunken e outros.

Se o partido nazista conseguisse maioria, seriam as últimas eleições dos próximos dez anos, disse Goering. E corrigiu, com sua risada histriônica: Cem anos! Então, portas se abriram, e o novo chanceler, Hitler, apareceu descontraído, sorridente, até amável.

Todos ouviram Hitler falar por meia hora. A proposta era acabar com o regime fraco, fechar sindicatos e afastar a ameaça comunista. Para isso, precisavam de dinheiro para a campanha eleitoral.

Krupp doou um milhão de marcos. São os homens por trás da produção de carros, máquinas de lavar, produtos de entretenimento, rádios, relógios, seguradores, baterias, aço, que fizeram parte do nosso cotidiano. E que mudaram a história, ajudaram a destroçar o mundo, a vida de milhões.

A cena está contada no livro A Ordem do Dia, de Éric Vuillard, que escreveu depois de vasta pesquisa. Com ele, venceu o Prêmio Goncourt

A história se repetia na sede da Fiesp, em que o empresário Henning Boilesen, da Ultragaz, um entusiasta dos métodos praticados nos porões da Oban para combater a subversão, o inimigo, passava o chapéu para financiar órgão da repressão brasileira durante a ditadura.

O que se passa na cabeça de alguns empresários? O que se passava na cabeça daqueles que financiaram a aventura do desconhecido e descontrolado Fernando Collor, em 1989, candidato que disputava uma eleição com os líderes da redemocratização: Ulisses Guimarães, Mário Covas, Leonel Brizola e Lula.

História não é uma pedra sólida. Ela rola na correnteza do tempo e muda de formato. E, se observada, pode denotar algo visto de um lado, e outra coisa vista de outro. Assim como pode ser uma terceira coisa sob as lentes de um microscópio. História pulsa. Vive. Tem humores. Adapta-se. É surrada e acariciada por inimigos. Vira boi de piranha.

Para muitos, o que ocorreu entre 2014 e 2016 no Brasil foi um golpe de Estado. Especialmente para aqueles que viveram outros golpes. Temer usou recentemente a palavra golpe no programa Roda Viva. Duas vezes: “Jamais apoiei ou fiz empenho pelo golpe”.

Depois de falar com Lula, que tentou demover do PMDB a ideia do impeachment, disse: “Mas a essa altura, eu confesso que a movimentação popular era tão grande e tão intensa que os partidos já estavam vocacionados, digamos assim, pela ideia do impedimento (...). Esse telefonema do Lula revela que eu não era adepto do golpe”.

Aloysio Nunes Ferreira, embaixador de Marighella em Paris, embaixador e articulador do PSDB no impeachment e no governo Temer (ministro das Relações Exteriores), afirmou: “Não é possível, em um processo judicial, em um país civilizado, um juiz e os procuradores se comportarem da forma como se comportaram. Processo judicial exige um juiz independente, imparcial, que dê iguais oportunidades tanto à defesa quanto ao Estado provarem seus argumentos”.

Afirmou que Moro e o MP “manipularam o impeachment, venderam peixe podre para o Supremo Tribunal Federal. Isso é muito grave”.

Depois de criticar a Lava Jato e o vazamento do áudio da conversa entre Dilma e Lula, disse: “Lula, que dizem que foi um governo socialista, governou com a direita. Teria rapidamente condições de segurar a base política. Porque o impeachment é um processo jurídico – crime de responsabilidade –, e político. Ele, pelo menos em relação à questão política, talvez tivesse condição de recompor. Foi exatamente por isso que eles procuraram barrar, como conseguiram, a posse de Lula”.

Janaína Paschoal, autora do pedido de impeachment, admitiu que o impeachment da Dilma não foi por conta de pedaladas fiscais, mas por motivos políticos. Marta Suplicy, do time de fundadores do PT, mostra-se arrependida por ter trocado o partido pelo MDB, por ser “contra a corrupção”, e defende agora a liberdade de Lula. Então vem o procurador Rodrigo Janot, um dos pilares do golpe, dizer que foi chantageado por Eduardo Cunha.

O jornalista Kennedy Alencar resumiu a indignação de muitos: “O jornalismo não deveria defender métodos usados por Moro, Dallagnol e cia. na Lava Jato. Eu não consigo. Vejo ambição autoritária para chegar ao poder. Não vejo Justiça. Vejo manipulação da opinião pública e interferência ilegal na História do País. Passaram de todos os limites”.

Elio Gaspari citou uma frase do ministro do STF, Alexandre Moraes, que diziam ser um braço do PSDB na Corte: “Dizer que devido processo legal atrapalha o combate à corrupção seria semelhante a dizer que direitos humanos atrapalham o combate à criminalidade”.

Sob fogo cruzado da polarização insana que alimenta termos da Guerra Fria, encerrada há três décadas, porém sempre resgatada quando se precisa dela, estão nas primeiras linhas da fala de Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia da ONU: “Apresento aos senhores um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do socialismo”. Socialismo? Que papo-furado, irmão...

sábado, 10 de agosto de 2019

Mitomania

Mito brasileiro.

Marcelo Rubens Paiva
Não se entende o porquê da necessidade de mentir, já que a verdade sincera não dói
É uma sensação midiática, muito mais pelo estranho ou incorreto do que pela lógica. Muitas personalidades, como Churchill, Nelson Rodrigues, Nelson Piquet e até Romário faziam a festa dos repórteres, com suas declarações brilhantes e sarcásticas.

Ele dá declarações bombásticas, exageradas, incomuns e mentirosas, numa sinceridade que cativa parte do eleitorado, mas de uma irresponsabilidade sem tamanho, que até já derrubou bolsas. A mentira abafa a falta de conhecimento e erros cometidos. A mentira mina as pretensões do inimigo. Na guerra, chama-se contrainformação.

Falo o que penso, diz. Seu superego é do tamanho de uma noz. Seu filtro é mais vazado do que meia de uma punk-rock. Não se incomoda em desagregar. Não se preocupa com a liturgia do cargo.

O grupo Aos Fatos, que faz um fact-checking de suas “fake news”, contabilizou: foram 233 declarações falsas ou distorcidas em 212 dias de governo. Curiosamente, ele declarou na semana, depois de exonerar o diretor do Inpe, que “maus brasileiros” divulgam “números mentirosos”.

Algumas falas ficaram notórias e causaram espanto. No Brasil de Bolsonaro, ninguém passa fome, não há desmatamento na Amazônia, os agrotóxicos são um bem para o meio ambiente, aumentou o número de analfabetos, o pai do presidente da OAB foi justiçado por seus companheiros da esquerda, Miriam Leitão pegou em armas e faz mimimi, pois nunca foi torturada.

Até que é modesto, perto das 10.111 “falsehoods” proferidas pelo seu Mestre Yoda, Donald Trump, em 828 dias de governo (de 20 de janeiro de 2017 a 27 de abril de 2019, contabilizadas pelo Washington Post), como: “O barulho das turbinas eólicas causa câncer”. Em dois dias de abril, Trump atacado chegou a mentir 171 vezes. Número representativo. Seria o Darth Vader?

Os jornalistas de Aos Fatos não dormem no ponto. Desde 2016, seguem os compromissos da IFCN (International Fact-Checking Network). Acompanham diariamente declarações de políticos e autoridades, independentemente da ideologia. Utilizam a sequência:

1. Selecionam uma informação pública a partir da relevância.

2. Consultam a fonte original para checar a veracidade.

3. Procuram por fontes de origem confiável como ponto de partida.

4. Consultam fontes oficiais para confirmar ou refutar a informação.

5. Consultam fontes alternativas, que podem subsidiar ou contrariar dados oficiais. Contextualizam.

Parecem etapas básicas da apuração praticada em toda a cadeia jornalística. Porém, por conta da velocidade e timing das redes sociais, da enxurrada de fake news e ambição de furar colegas e concorrentes, ou de interesses partidários mal-intencionados, muitas informações não são checadas.

Aos Fatos divide a declaração checada em sete categorias: verdadeira, imprecisa, exagerada, contraditória, insustentável, distorcida ou falsa. Dois jornalistas, um repórter e um editor precisam chegar a um consenso.

Por um gráfico, percebe-se que as mentiras de Bolsonaro são acumuladas num curto período. Por vezes, fica dias sem mentir. De repente, dispara a metralhadora. Janeiro, abril e maio foram momentos calmos. Paradoxalmente, no dia da mentira não rolou umazinha. Em março e julho, ele estava com o dedo no gatilho.

Sua maior mentira é o mote da campanha: “Montamos nossa equipe de forma técnica, sem viés ideológico”. Papo furado. Em mapeamento feito pelo Globo, 286 pessoas foram nomeadas nos gabinetes da família Bolsonaro desde 1991. Dessas, 102 têm algum parentesco ou relação familiar entre si, 35% do total dos funcionários indicados.

Sobre jogos eletrônicos, mentiu diversas vezes, inclusive na taxação. Uma delas: “O Brasil é o segundo mercado no mundo nesse setor”. Não é, não. É a China. “Sabe o tamanho, a extensão da reserva ianomâmi? É o dobro do Estado do Rio de Janeiro, 9 mil índios.” Mais ou menos. Dados da própria Funai: são 25 mil.

“Lembra da PEC das Domésticas? Eu fui o único deputado que votou contra.” Nada disso, teve outros. Aliás, ele não compareceu na votação do primeiro turno. “O Brasil é o país que menos usa agrotóxicos.” Para com isso, irmão! “Só nós temos nióbio.” Canadá, Egito e Congo também têm.

Suas mentiras lembram a de grupos extremistas de WhatsApp. Ele replica muitos dos memes e fake news fabricados por grupos de apoio. Como a de fotos de pelados em eventos universitários, para denegrir a imagem e justificar os cortes das federais, ou o vídeo “vazado não por acaso” de “pessoas do mal, inimigas da democracia e liberdade, juntas”, que, na verdade, eram cenas do filme O Processo, exibido no Festival de Berlim.

“Trabalhando com 9, 10 anos de idade na fazenda, eu não fui prejudicado em nada.” Foi desmentido pelo próprio irmão, Renato, que disse para a revista Crescer que eles nunca precisaram trabalhar quando pequenos.

“O Acordo de Paris, Alemanha não vai cumprir, porque a fonte de energia deles são fósseis, não tem como sair rapidamente de um para o outro.” Médio: 40% da fonte deles é gerada por energia solar, eólica, biomassa e hidrelétricas.

Sobre imposto sindical. “Isso dá aproximadamente R$ 3 bilhões por ano nas mãos dos sindicatos do Brasil.” Menos. O “isso” dá R$ 500 milhões. “As Forças Armadas brasileiras em nenhum momento de sua história se furtaram de estar ao lado de seu povo para lutar por democracia e liberdade.” Como é que é?

“Nosso ministro Tarcísio já começou o asfaltamento da BR-163.” Começou dois anos antes, no governo Temer. “Era proibido (aos médicos cubanos do Mais Médicos) trazer a família para cá.” Era permitido.

As mentiras se repetem, soam grotescas. Em pouco tempo de convívio, identificamos um parente, funcionário ou amigo mentiroso. A fama se espalha. E é chatíssimo conviver com ele. Passamos a evitá-lo. Não é mais convidado para as festas. Contratá-lo, então... É uma minoria. Não se entende o porquê da necessidade de mentir, já que a verdade sincera não dói.

Como canta Erasmo Carlos: “Pega na mentira, pega na mentira. Corta o rabo dela, pisa em cima, bate nela. Pega na mentira...”.

Mentira e populismo são um pleonasmo e têm pernas curtas. O problema é quando ela se banaliza no dia a dia, nas relações sociais.

sábado, 18 de maio de 2019

Uberliberalismo radical


 Marcelo Rubens Paiva
A ditadura foi necessária. Foram tempos de bonança e as novelas eram mais respeitosas
O Estado de S. Paulo

No Brasil, há um projeto em andamento para desqualificar instituições democráticas, arruinar reputações de partidos, políticos, empresas públicas, imprensa, juízes, ministros, universidades, artistas, nulificar legados. Mas e o que vem depois?

Como propaganda política para angariar votos numa espécie de campanha com vale-tudo, dá frutos. Brexit, Trump e Bolsonaro surpreenderam e abiscoitaram eleições democráticas. Foram a escolha da vontade popular. Mas faz sentido como proposta de governo?

O projeto em andamento é o da terra arrasada, como uma candidata ao trono que, escolhida, monta-se num dragão e queima a capital do reino. É o projeto do uberliberalismo extremo, explícito, radical.

Destroem-se sinais de ideologia inimiga. Marx, Gramsci e até Paulo Freire tornam-se vilões do progresso. Justiça social se torna um entrave. O adversário passa a ser obsessão. Tudo de ruim é obra do oponente. A culpa é das esquerdas, da velha política. Reescreve-se a História. Até o nazismo virou de esquerda.

Exemplos malsucedidos de socialismo passam a ser difundidos. Como se atacássemos o republicanismo democrático utilizando exemplos como as repúblicas presidencialistas do Quênia e Gana e as repúblicas parlamentaristas de Bangladesh e Camarões, os quatro lanternas na tabela do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da ONU.

Apesar do lema Brasil Acima de Tudo, da perseguição às minorias, propaganda massiva, milícias, exaltação do passado, gestual com as mãos (arminha), armamento da sociedade e militarização das instituições, não, esse governo não é fascista, em que o Estado é tudo, o indivíduo, nada.

No fascismo, a missão do cidadão é servir, o trabalho dos governantes, ditar regras. No uberliberalismo, quer-se o governo longe do cidadão. No estado de ultraliberalismo, o social é o entrave, o individual é a saída. O Estado some.

Suprema Corte é fechada por um soldado e um cabo num Jeep, o estado de direito é revisto, e o cidadão se defende, compra revólver da Taurus. A Taurus é coisa nossa. Dentro de casa, o cidadão é seu próprio juiz, promotor, delegado, policial, e faz a justiça que lhe convier.

Político é tudo ladrão, partidos são gangues organizadas para arrecadar fundos de um caixa 2 e do fundo partidário, além de atrapalhar a tramitação, através da velha política, de novas matérias, promessas e reformas.

O projeto uberliberal é:

1. Liberal na economia, não nos costumes.

2. Filosofia é chato, ninguém entende, perda de tempo.

3. Sociologia, antropologia, história, idem: berçário de marxistas.

4. IBGE é desperdício de dinheiro. Não precisamos conhecer o cidadão. Conhecê-lo é constatar miséria, desigualdade social. Coisa de marxistas.

5. Pesquisa científica gasta dinheiro.

6. Universidade é desperdício de recursos que poderiam ir para a Segurança Pública e diminuir as estatísticas de roubo de celular.

7. Livros são inúteis na era das redes sociais.

8. Jornais são perda de tempo, já que as informações chegam mais rápido em grupos de WhatsApp.

9. O respeito ao meio ambiente é um entrave para o progresso. A terra é para ser explorada, é um presente de Deus.

10. Índios são selvagens que atrapalham o desenvolvimento, pois estão sentados em grandes reservas de madeira, minérios e terras agriculturáveis.

11. Propriedade é sagrada. Se entrar em casa, mete chumbo. Propriedade privada é o Estado individual.

12. Bandido bom é bandido morto.

13. Direito à defesa é privilégio de bandido.

O estado ultraliberal pretende o Estado mínimo. Para isso, destrói a ideia de um que seja capaz de promover o bem-estar social.

Acaba com a reputação de universidades públicas, como se fossem antros degenerados de alunos inúteis, bêbados, drogados, sempre pelados pelos corredores: um enorme desperdício de dinheiro.

Acaba-se com a ciência e a pesquisa, afinal, a minha verdade não é empírica, não é a tese comprovada por dados e experiências.

Pesquisadores gastam dinheiro público à toa. A verdade é a minha verdade, a que meus amigos me contaram, a que a minha Igreja defende no culto dominical, na que acredito. Verdade é fé, não ciência.

A Terra é redonda? Depende. Para você, pode ser, mas para meu grupo do WhatsApp, não. A Teoria da Evolução nos faz parentes dos macacos? Não é o que diz a Bíblia. E eu sigo as Sagradas Escrituras.

Preste atenção, não se deve acreditar em tudo que se lê por aí, especialmente nos livros e no que sai nos jornais. Atente ao viés ideológico conflitante aos interesses da Nação. Tem um complô em andamento das esquerdas, para fazer lavagem cerebral nos jovens.

Ser gay é uma doença? É um desvio, me disseram, e acredito. Afinal, também está na Bíblia, o homem é para ficar com a mulher, para florescerem. Assim é a família. Se tem cura? Tem um grupo de reza lá na minha Igreja que cura. Tem também um espírita que faz operação para curar gays. E tem o exorcismo do pastor, que aos domingos cura muitos gays, alcoólatras, aleijados, viciados que perderam tudo. Eu vi na TV. Tudo porque o cão está dentro do indivíduo. O capiroto. O demo. O coisa ruim. Coisa simples tirar o diabo de dentro de uma pessoa. O pastor consegue só com os gestos, sopros e comandos.

A ditadura foi necessária, um amigo do meu pai que viveu naquele tempo me disse. Se não fosse pelos militares, os comunistas decretariam uma ditadura de esquerda. E foram tempos de bonança, sem violência. As pessoas podiam andar na rua. Homens não beijavam homens em público. E as novelas eram mais respeitosas, com os valores tradicionais e cristãos em destaque. Nossos filhos assistiam à Bela Adormecida, não à Frozen – Uma Aventura Congelante. Congelante e lésbica, a ministra disse.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Brasil livre do socialismo


Marcelo Rubens Paiva

Enfim, com o aval das urnas, o socialismo acaba.

Como as classes sociais tinham sido extintas nos governos anteriores, princípio socialista, voltamos a dividir a sociedade em trilhardários, bilionários, milionários, ricos, classe média alta, classe média-média, classe média baixa, pobres, miseráveis e pés-rapados.

O dinheiro das classes do topo da pirâmide, tomado e distribuído entre os mais pobres nos anos anteriores, será devolvido.

Os metalúrgicos que moram conosco desde a ascensão do socialismo podem deixar o quarto de hóspede e a sala de nossos lares.

Uma pena, porque, depois de tantos anos, me apeguei a eles, que ocupam a metade do meu três-quartos e fazem reparos numa camaradagem socialista no encanamento, parte elétrica e cozinha.

Por vezes, repartimos os cuidados das crianças. Repartíamos. Podemos retornar ao apartheid social.

A piscina do condomínio volta a ser frequentada apenas pelos moradores ou locatários do condomínio, não mais por toda a vizinhança.

Depois de anos de censura esquerdista, a imprensa volta a ser livre. Sugiro intervir em emissoras socialistas. Membros da família Edir Macedo e Silvio Santos têm total competência para instaurar uma TV sem partido.

A socialização dos meios de produção se encerra.

Indústrias voltam aos industriais, bancos, aos banqueiros, comércio, aos proprietários.

Teatros, dependências e piscinas do Sesc serão fechadas.

Escolas do Sesi e Senai passarão para o controle militar.

A renda voltará a ser desigual, depois de um período em que a bandeira brasileira foi vermelha.

O Estado deixa de controlar a economia e dividir igualitariamente a renda.

Homens e mulheres não são mais iguais.

Igreja e Estado voltam a se unir.

Agora, precisamos entender o que significa o fim do politicamente correto.

E decidir se mudamos o nome do Internacional de Porto Alegre para Ouvirundum de Porto Alegre, e trocamos o colorado pelo verde e amarelo.