Hoje banal, expressão usada por general Heleno sintetiza projeto de governo do presidenteLuiz Fernando Vianna
Segundo a versão oficial, o ministro e general Augusto Heleno não sabia que o sistema de som do Palácio do Planalto estava ligado quando, no último dia 19, queixou-se de deputados e senadores: “Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente. Foda-se.” Também não sabia, é claro, que seu linguajar chulo restituiria a intensidade do palavrão utilizado.
O “foda-se” já foi uma expressão pesada, dessas que um defensor da boa família brasileira não usa. Agora está até em artigo de site de revista séria. Está em título de best-seller, exposto em todas as livrarias, visível para qualquer criança: “A sutil arte de ligar o f*da-se” (o asterisco esconde menos do que tapa-sexo de rainha de bateria). O sucesso fez o autor, Mark Manson, repetir a dose: “F*odeu geral” (no original, “Everything is fucked”).
O “foda-se” virou o equivalente ao “fuck” em inglês, que nos filmes, decalcando a realidade, é proferido sem parcimônia.
Talvez por nossa subserviência aos americanos – tão praticada pelo presidente Jair Bolsonaro, seu filho Eduardo e seu chanceler Ernesto Araújo –, banalizamos o “foda-se” como eles banalizaram o “fuck”.
Faça-se um teste: hoje nos choca mais o “foda-se” ou o “dane-se”? É o segundo, não? Tornou-se tão raro ouvir “dane-se” que virou uma imprecação mais afrontosa. Paulo Guedes sabe que, quanto menos se oferece um produto (dignidade, por exemplo), mais valioso ele fica.
Ao compartilhar chamadas para a manifestação de 15 de março contra os outros poderes da República, Bolsonaro transformou o suposto descuido do general Heleno em estratégia. Mais uma vez, ele investe contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal como se estes não venham salvando o seu governo da inépcia completa.
A reforma da Previdência, tão defendida pelas elites e tão sabotada pelo próprio presidente, só passou graças à liderança de Rodrigo Maia na Câmara dos Deputados. No STF, Dias Toffoli e Luiz Fux já salvaram Flávio Bolsonaro duas vezes de ter investigadas suas movimentações financeiras. Permanecem impunes as “rachadinhas”: funcionários do gabinete do então deputado estadual fluminense – parte deles fantasmas – devolviam seus salários, que passavam pelos ex-policiais Fabrício Queiroz e Adriano da Nóbrega, suspeitos de integrar milícias.
Ao virar arma política, o “foda-se” ganhou um peso que tinha perdido. Ou não: é o presidente que tem rebaixado a dignidade do cargo e feito do palavrão um lema à altura do seu comportamento de chefe de gangue. Não é de agora, mas desde janeiro de 2019 que “foda-se” sintetiza um projeto de governo. E os alvos são a inteligência, a decência, a resistência a um Estado policialesco e miliciano, a rejeição a quem ama torturas e ditaduras.
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