quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Um barril de pólvora chamado Brasil


É possível dizer-se, com certeza, que a democracia não seguirá no mesmo rumo do Brasil até 2022. As circunstâncias deste divórcio, contudo, ainda são nebulosas. A pergunta é quem dará o golpe primeiro: os liberais, retirando Bolsonaro e colocando um dócil Mourão na presidência, com carta branca para Paulo Guedes seguir com o neoliberalismo? Será a esquerda, capitaneando a pobreza e descontentamento das massas, como ocorreu recentemente em outras partes da América Latina? Ou será o próprio Bolsonaro, apoiado pela ala fascista que infesta hoje todos os cargos altos na administração pública?

Esta semana um policial civil agrediu e rendeu uma prefeita e seus assessores na saída de um shopping center em São Paulo. Gritando palavras de ordem fascistas “contra a corrupção”, o policial emulava os mesmos comportamentos de Moro, Bretas, Witzel, Major Olímpio e até mesmo da outra soldado da PM que se elegeu matando um criminoso na frente de uma escola. Todos, absolutamente todos, usaram os poderes de Estado de que eram parte de forma política, e ampliaram o discurso de ódio para elegerem-se. Afinal, deve ter pensado o policial civil quando viu o carro da prefeita, “é agora que eu si consagro e viro senador”.

Enquanto escrevo estas linhas, o senador Cid Gomes (irmão do presidenciável Ciro Gomes) é baleado em situação estranha, no meio de uma greve de policiais, envolvendo além da arma que lhe acertou o peito duas vezes, uma retroescavadeira. Um senador, uma retroescavadeira e dois tiros no peito não são elementos facilmente encontrados juntos nas páginas de algum jornal. O ministro de Bolsonaro, Moro, acionou também nesta semana, a Lei de Segurança Nacional (que havia sido reutilizada pelo ex-secretário de segurança pública de São Paulo e atual ministro do STF ainda durante o governo Temer para provocar um factoide de uma “célula terrorista” descoberta no Brasil) contra Lula. Nada novo para o ex-presidente e nada novo no comportamento desonesto e mesquinho do ex-juiz.

No mesmo caótico cenário o presidente segue seu comportamento ofensivo e agressivo contra a imprensa, ofendendo de forma misógina a jornalista que trouxe à tona o esquema de corrupção que envolveu sua eleição. Embora o ataque desta semana em nada difira do histórico do fascista-presidente, a grande imprensa agora chama o ato de “inaceitável”. Partidos de oposição pedem a cassação do senador filho-do-presidente por inúmeros crimes e ligações com as milícias do RJ. Este filho e outro estão também envolvidos em escândalos de corrupção e manipulação fraudulenta das eleições apurados pela CPI das “Fake News”, e ainda existe a queima do arquivo-agora-morto chamado Adriano da Nóbrega.

Todo este cenário interno é fruto da esculhambação institucional iniciada em 2014 por Aécio Neves e José Serra com auxílio de Marina Silva e Michel Temer. O uso casuístico da lei de responsabilidade fiscal para retirar uma presidenta eleita democraticamente feriu de morte a legitimidade do pacto sócio-político brasileiro que, a bem da verdade, já era frágil. A balbúrdia se torna ainda mais perigosa quando figuras conhecidas resolvem fazer pouco caso da memória do brasileiro. Cristóvão Buarque, golpista de primeiro momento, brinca com o tecido social brasileiro e repete os atos do MBL e do próprio PSL. Ninguém hoje se responsabiliza pela boçalidade catinguenta que é Bolsonaro.

Os liberais perceberam, tardiamente, que brincar com a democracia traz inúmeros riscos que os ganhos econômicos para as elites parecem não ser suficientes. O lucro dos bancos atinge patamares históricos no Brasil, especialmente se comparado com a diminuição dos salários, do poder de compra da população, da fome e do desemprego. A violência econômica deste momento vai precisar de soluções não-constitucionais, e os liberais já se preparam para usar a força contra os mais pobres irresignados com suas sentenças de morte por inanição. Num primeiro momento, usa-se as togas, e o ultra-conservador neoliberal Yves Gandra Martins retira o direito de greve de petroleiros e caminhoneiros de forma tão ilegal quanto descarada. O mesmo direito que tinha sido reafirmado, diga-se de passagem, para desmantelar o governo Dilma.

Aos olhos destas mesquinhas pessoas, o povo não sabe o que está acontecendo. Aos olhos dos historiadores, salta imediatamente o aviso de Pedro Aleixo quando da propositura do AI-5: “O problema é o guarda da esquina”.

A história recente do Brasil já colocaria qualquer que fosse o eleito em 2018 de sobreaviso. O fascista, contudo, já é neurótico por natureza, e sente seu mandato em risco a cada noite roncada.

A economia, gerida por patentes incompetentes, rivaliza no caos apenas com a educação, o meio ambiente e as relações exteriores, e este articulista tem uma nesga de felicidade pelo fascista-presidente ter acabado com o Ministério do Trabalho. 

É o único ministério em que não se faz idiotices e incompetências em série, todos os dias.

O empobrecimento acelerado do povo se verifica nas filas da previdência. O pouco de comida que os miseráveis antes tinham com o bolsa família é desarticulado para pagar ainda mais salários para militares e mais juros para banqueiros. Apenas um alucinado ignorante imaginaria que é possível sustentar esta situação de violência social por muito tempo.
Ocorre que somos governados por um alucinado ignorante que consegue nomear ainda mais alucinados e mais ignorantes para lhe assessorar.

No plano internacional, nada nos sinaliza positivo, e apenas maiores tormentas. Além das ameaças de epidemias internacionais, temos a eleição norte-americana em que o Brasil, pela completa incompetência de sua política externa, conseguiu colocar-se numa situação em que com qualquer resultado do pleito yankee, o país perde. Trump precisará adotar medidas protecionistas para minorar os efeitos da bolha econômica que ele mesmo criou, e que deve estourar um pouco antes ou um pouco depois da eleição. E o ídolo do mandatário da nação brasileira já deixou claro que “amores, amores; negócios à parte”. O Brasil é o ponto mais frágil neste relacionamento, ainda que Bolsonaro tenha jurado amor eterno e submissão completa ao presidente norte-americano.

A Antártica anotou 20 graus celsius de temperatura na última semana. Em dois momentos diferentes. Na Antártica fez mais calor que em Brasília nesta semana, e um iceberg (do tamanho de Belo Horizonte) se soltou no oceano, oferecendo-nos algum tipo de alívio. Talvez ele possa provocar algum evento de proporções cataclísmicas e livrar o Brasil da violência que se instalará entre o final deste ano e 2022.

Minha torcida, hoje, é pelo iceberg. Um fim digno para uma era indigna.

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