O Movimento Brasil Livre do Bolsonaro precede e transcende o presidenteConrado Hübner Mendes
O Movimento Brasil Livre do Bolsonaro (MBL do B) aproveita a ocasião carnavalesca para recomendar uma dieta de reeducação política. Por meio de um detox cívico profundo, quer resguardar aquela modesta fração de liberdades civis construída ao longo de tantos Carnavais.
O MBL do B percebe a violência que começa com o verbo e termina no assédio, no estupro e no espancamento; no desmatamento e na letalidade policial; no empobrecimento material e espiritual do país. Não confunde bolsonarismo com mera grosseria e impostura, esse pecado decisivo da preguiça intelectual, tão afoita em tornar equivalente o que é tão diferente. Nem confunde liturgia e decoro com mera etiqueta política.
O MBL do B precede e transcende Bolsonaro. Tem a mesma raiz de movimentos emancipatórios do passado, como o que se opôs à ditadura e ajudou, nos limites da conjuntura, a reinventar a democracia e a elaborar a Constituição de 1988. É um movimento de negros, mulheres, índios e LGBTs. De professores, artistas, jornalistas e cientistas. E de quem mais quiser levantar a bandeira da liberdade e da dignidade sem truques de linguagem.
O MBL do B não é um movimento de ódio ao bolsonarismo, mas de rejeição contundente daquilo que quer nos retirar. Não é bolsonarismo de sinal trocado, que reendereça a raiva e afetos primários para o outro lado.
Bolsonaro é um arquétipo da brutalidade brasileira. Uma brutalidade que vai do seu senso de humor a sua crença religiosa, da sua conduta paterna ao seu estilo político. Cruza a linha vermelha em praticamente todos os domínios da vida urbana. Essa rara confluência de tantas facetas do mau caráter nacional serve de alerta didático para o que resta de "Jair em nós". Neutralizar o Jair em nós é o primeiro desafio do MBL do B.
Bolsonaro organizou sua carreira política em torno da agressão a pessoas e instituições; da defesa da tortura e da morte do outro; das relações ganha-ganha com milicianos (às vezes um ganha-perde, mas quem perde são os milicianos foragidos, presos e executados).
Congresso e STF foram as casas de tolerância que lhe confortaram e deram carta branca. Atiçaram a delinquência política. As declarações do deputado podiam ser "rudes", mas não caracterizavam "incitação à violência física ou psicológica" contra ninguém, nas palavras de ministro do STF.
O STF nunca consultou a ciência para entender "violência física ou psicológica". Preferiu a autossuficiência da intuição jurídica e abraçou um conceito grosseiro de imunidade parlamentar.
Protegido pela leniência parlamentar e judicial, Bolsonaro sobreviveu e cresceu. A expectativa de que, uma vez no cargo mais poderoso da República, ele se tornasse outro, era tão verossímil quanto o esforço de Paulo Guedes em convencer o mundo e o mercado de que o chefe "tem maus modos, mas grandes princípios".
Libertar-se do bolsonarismo é mais do que um chamado à civilidade e à higiene bucal. É mais do que um apelo genérico ao antipopulismo ou um pedido ingênuo de reconciliação e consenso, como se a política não envolvesse o conflito agonístico, como se não fosse legítima a denúncia de privilégios e de violações de direitos, como se não fosse necessário apontar o dedo para os que boicotam o projeto constitucional.
A liberdade está ameaçada não por qualquer populismo, mas pelo populismo autoritário, que emula práticas do fascismo histórico e define povo como um clube em que só alguns podem ser sócios, excluídos os inimigos anti-Brasil. Tem alergia ao pluralismo e à diferença. Coloca até as instituições na categoria de inimigos do povo.
Derrotar Bolsonaro está além da demonstração dos seus crimes de responsabilidade para fundamentar pedido de impeachment; ou da provocação do TSE sobre o financiamento não declarado da campanha de desinformação; ou das eleições de 2022.
O MBL do B não é só sobre Bolsonaro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário